Marcos A. Pedlowski, artigo publicado na edição 242 da Revista Somos Assim
A corrupção é um fenômeno global que atinge todos os governos nacionais, afetando a capacidade de funcionamento de instituições governamentais, o nível de investimento em áreas prioritárias como saúde e educação e, em última instância, o nível de estabilidade política. O problema da corrupção é tão preocupante que a Organização das Nações Unidas possui uma convenção específica para combater este fenômeno em escala mundial, a chamada "Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção". Em termos objetivos, as estimativas existentes dão conta que uma parte significativa da riqueza gerada mundialmente é desviada para suprir os diferentes e complexos mecanismos que guiam os processos globais de corrupção. No caso brasileiro, um estudo publicado pela FIESP mostrou que o custo médio anual da corrupção seria de R$ 41,5 bilhões, se considerados os valores para 2008. Esse montante seria suficiente para, segundo estimativas de um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, elevar em 23% o número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, e para reduzir à metade o número de casas ainda sem saneamento no Brasil.
Muitos podem ser perguntar sobre o que permite a continuidade da corrupção e quem são os principais interessados por sua impunidade. A maioria dos cidadãos, infelizmente, tende a cair prisioneira de uma imagem, que é amplamente difundida, na qual os casos de corrupção se explicam pela vilania de servidores públicos que se vendem para viabilizar a apropriação indébita de recursos que são coletivos. Ainda que existam servidores que traiam seu compromisso com a salvaguarda do dinheiro público, o fato é que não se explica o processo de corrupção apenas a partir dos indivíduos que se envolvem neste tipo de crime; se aceitarmos a versão personalizada da corrupção, deixaremos de compreender o papel intrínseco que ela cumpre na perpetuação do sistema capitalista, especialmente a partir da ação das grandes corporações multinacionais. Dados da OECD indicam que corporações transnacionais gastam anualmente em torno de 80 bilhões de dólares para corromper pessoas e instituições em países onde atuam fora de sua sede.
Um caso emblemático de como a corrupção é endêmica e parte de onde o cidadão comum menos espera se deu recentemente no México. A imprensa internacional acaba de reverberar uma matéria publicada inicialmente no jornal "The New York Times" abordando o envolvimento da rede varejista Walmart em processos de corrupção em sua subsidiária mexicana; a partir de uma farta documentação, a matéria mostrou que desde 2005 havia uma esquema para acelerar a emissão de alvarás para a abertura de novas lojas em território mexicano. Após o fato se tornar conhecido, os executivos da matriz localizada no Texas enviaram investigadores para examinar as contas de sua subsidiária mexicana e encontraram centenas de pagamentos suspeitos, que somavam mais de US$ 24 milhões, e documentos que mostravam ainda que os executivos do Walmart no México não só sabiam dos pagamentos, como ocultavam o caso dos seus chefes na sede nos EUA.
Mas o Walmart não é a primeira corporação a ser pega em casos explícitos de corrupção. Em 2008, a Volkswagen alemã foi imersa num grande escândalo por supostamente pagar noitadas em boates para sindicalistas de suas plantas no exterior, inclusive no Brasil. Aliás, entre os que teriam sido agraciados pelas benesses pagas pela Volkswagen em boates de luxo estava Luiz Marinho, que na época era o Ministro de Trabalho do governo Lula. Segundo Klaus-Joachim Gebauer, um ex-dirigente da multinacional alemã, apenas em uma noitada a empresa teria gasto R$ 21 milhões. O interessante neste caso é que a situação só veio a público depois que Gebauer foi demitido, justamente por organizar o esquema de corrupção envolvendo sindicalistas estrangeiros.
Por este tipo de situação é que as atuais manifestações que estão ocorrendo em diferentes partes do território brasileiro podem até galvanizar energias reprimidas por anos de letargia política, mas arriscam errar o alvo principal. Ao centrar o seu alvo nos políticos em geral, os participantes destes atos se arriscam a abrir espaço para aventuras golpistas, deixando a raiz do problema intocada. Em outras palavras, ainda que existam políticos corruptos, e sim, estes existem aos montes, a contaminação fundamental vem de fora e não de dentro. Assim, se os manifestantes quiserem mesmo o fim da corrupção, o mais correto será exigir que o sistema legal seja profundamente modificado, de modo a aumentar substancialmente as penas daqueles que forem pegos se apropriando de forma indébita daquilo que pertence ao conjunto da sociedade. Isto implicaria, inclusive, no aprofundamento dos acordos internacionais que terminem com a impunidade que as corporações oriundas dos países ricos ainda desfrutam dentro dos seus Estados nacionais, especialmente no que se refere ao pagamento de propinas e outros tipos de benesses em países do capitalismo periférico.
Assim, ainda que tenhamos de exigir a punição da corrupção de forma resoluta, não podemos nos equivocar na hora de buscar a adoção de medidas que sejam realmente eficientes no seu combate. Do contrário, ainda teremos de aturar o fato de que personagens como Salvatore Cacciola sejam perdoados após cumprir uma parte mínima de penas que, convenhamos, são muito insignificantes.