domingo, 22 de janeiro de 2012

O ambientalista carioca e seu oráculo revelador: a farra das enchentes e a indústria do estado de emergência 

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 229 da Revista Somos Assim


Em 2007 o ambientalista carioca Sérgio Ricardo escreveu um artigo intitulado “Tragédia de verão anunciada: a farra das enchentes e a indústria do estado de emergência”, onde esboçou uma radiografia acurada das raízes do que ele caracterizou como a “indústria das enchentes”, que seria uma versão molhada da ignominiosa “indústria das secas”. Mas Sérgio Ricardo foi além, e indicou os pontos que consistiam naquele momento como verdadeiras bombas-relógio ambientais prontas para explodir sobre milhares de famílias fluminenses, a maioria composta por pessoas pobres. 

Passados quase cinco anos após a publicação do artigo-oráculo de Sérgio Ricardo, o que se vê é que a indústria das enchentes está funcionando a todo vapor, ainda que as principais evidências de sua existência sejam as denúncias de corrupção que já apearam vários prefeitos fluminenses de suas cadeiras. O maior exemplo disto vem sendo esmiuçado pela mídia corporativa que, nas últimas semanas, começou a levantar os números de pontes e unidades residenciais construídas na região serrana do Rio de Janeiro. Neste caso, os números são para lá de vexaminosos: pontes 1 X casas 0. Enquanto isto, milhares de famílias continuam vivendo sem saber o que o destino lhes reserva. 

Talvez o drama dos atingidos pelas chuvas de 2011 passasse despercebido se o verão de 2012 não estivesse sendo tão chuvoso. Mas, para azar e sorte dos governantes, não é isto que está acontecendo. O azar fica por conta do fato de que sua indisposição para agir em prol das vítimas se tornou de domínio público e, pior, documentado. Mas como para alguns o azar sempre chega junto com a sorte, a nova rodada de chuvas foi seguida de novos deslizamentos e mortes, o que deverá significar a liberação de mais de algumas centenas de milhões de reais, que poderão ser gastos sem licitação. E tudo isto em nome dos que tiveram suas vidas arruinadas, e suas poucas posses tragadas pela chuva e pela lama. 

O maior problema dos que se importam com esta situação, e gostariam de ver uma mudança no seu enfrentamento é que não existem respostas rápidas ou fáceis. A primeira coisa é que, enquanto a desgraça alheia for um negócio lucrativo para os que se beneficiam da indústria do estado de emergência, não haverá incentivo para que haja mudança. Em segundo lugar, não há como resolver o problema da ocupação das áreas de risco sem que haja uma profunda reforma da terra urbana. Afinal de contas, os pobres só procuram as encostas e a beira de corpos aquáticos porque o filé mignon das terras urbanas está sob um forte controle dos empreendedores imobiliários. Por último, teríamos de ter uma mudança no comportamento político da maioria da população, visto que a desorganização política, e a inércia que dela resulta, favorece a criação de um ambiente de impunidade, onde ninguém vai preso por roubar dinheiro de desabrigados. 

Não obstante a difícil equação com que nos defrontamos para não convivermos com os ciclos anuais de chuvas acoplados à destruição em nossas cidades, a verdade é que não podemos mais aceitar este estado de coisas. O fato é que as estimativas feitas pelos cientistas em torno das mudanças climáticas globais e dos impactos destas nos padrões de chuvas estão se confirmando. Uma destas confirmações se refere ao padrão concentrado e intenso das chuvas como o que tivemos nas últimas semanas. Em função disto, já é possível afirmar que o que hoje parece anormal deverá ser a regra, ao menos nas próximas décadas. Em função disto, a sociedade brasileira deveria se preparar para uma mudança radical na forma com que nossas cidades evoluem. Do contrário, poderemos chegar a uma situação de colapso. 

No caso específico de Campos dos Goytacazes, parece ter chegado a hora de, como afirmou o prefeito interino de Nova Friburgo, pararmos de ficar “enxugando gelo”. Ainda que tenhamos assistido a um uso político-partidário da cheia do Rio Paraíba do Sul por parte dos grupos que se digladiam na política municipal, o que ficou evidente é que estamos sob um grave perigo de implosão dos diques que protegem nossa cidade. Em função disto, o que precisa ser urgentemente feito é uma reversão da atitude de negação do óbvio, para que os órgãos competentes possam partir para realizar as obras estruturais de que tanto necessitamos para restabelecer um nível adequado de segurança da nossa cidade. Qualquer coisa diferente disto representará uma autorização prévia para que o pior aconteça. Como não faltam recursos nem conhecimento técnico, o que precisa ser feito é a tomada da decisão política por parte não apenas do governo municipal, mas também do estadual e do federal. 

Por último, um detalhe que não pode ser esquecido. As atuais cheias são fruto direto do processo de desmatamento. O Congresso Nacional deverá brevemente se debruçar sobre a revisão do Código Florestal. Os fatos recentes deveriam ser um bom motivo para que os que votaram contra as nossas florestas em prol do latifúndio agro-exportador a mudarem de posição.