Trabalho degradante: usina no Paraná é condenada em R$ 1 milhão
Nota do Editor: A Terra de Direitos acompanha o caso do grupo Atalla, já que existe um processo administrativo em andamento no INCRA para desapropriar a área por trabalho escravo. A notícia da decisão do TST só vem a comprovar, mais uma vez, de que o grupo não preza pelo respeito a legislação trabalhista, o que é um descumprimento flagrante da Função Social da Terra.
23/05/2011
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu (rejeitou) de recurso da Usina Central do Paraná S.A. – Agricultura Indústria e Comércio, e de três de seus proprietários, contra decisão condenatória por dano moral no valor de R$ 1 milhão, imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), por descumprimento de obrigações trabalhistas. As condições de trabalho dos empregados da usina, de propriedade do Grupo Atalla, vêm sendo objeto de preocupação desde 1996.
Histórico da Ação
Naquele ano, foi instalado na Vara do Trabalho de Rolândia (PR) Procedimento Investigatório em face do Grupo Atalla, a partir da denúncia da existência de meio ambiente de trabalho insalubre em uma das empresas do grupo. Com o intuito de apurar as infrações trabalhistas denunciadas e toda a sua extensão, foi realizada fiscalização no mesmo ano. Na ocasião, verificou-se que o tratamento dispensado pela usina aos seus empregados, tanto nas unidades industriais quanto aos trabalhadores rurais, era indigno, “violando normas jurídicas, revelando descaso e indiferença com a situação de miséria e indignidade em que muitos deles viviam”.
Entre as irregularidades apontadas pelo GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composto por membros do Ministério do Trabalho e Emprego, Departamento da Polícia Federal e Ministério Público do Trabalho -, foi constatado nos locais o descumprimento de várias obrigações trabalhistas: ausência de programa de redução a acidentes de trabalho, inexistência de instalações sanitárias, trabalho em condições degradantes, em oficinas sem ventilação e iluminação apropriadas, não fornecimento de água potável, obrigação de trabalho aos domingos sem compensação, atrasos no pagamento de salários, não concessão de férias e descontos salariais sem autorização dos trabalhadores.
Os representantes do grupo Atalla foram intimados para audiência na sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, em Curitiba, e assinaram dois Termos de Compromisso e Ajustamento de Conduta (TAC), pelos quais se comprometiam a cumprir a legislação trabalhista nos ambientes de trabalho. A fim de verificar o cumprimento dos TAC, o Ministério Público solicitou, nos anos seguintes, diversas fiscalizações nas dependências do grupo Atalla.
Conforme relato contido no processo, com mais de cinco mil páginas, constatou-se que a situação não havia mudado, e que a Usina e seus representantes não cumpriam o acordado nos TAC. Diante disso, o MPT ingressou com pedido cautelar de arresto de bens cumulado com ação de execução parcial de título extrajudicial. Essa ação tramitava em 2008 na fase de execução, conforme informação do Ministério Público do Trabalho.
Em 2008, uma nova fiscalização nas instalações do grupo econômico constatou o descumprimento dos TAC e, ainda, uma série de novas irregularidades, não só nas dependências industriais do grupo, mas também na área rural, nas fazendas de extração da cana-de-açúcar.
Diante destes novos fatos, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública na Vara do Trabalho de Porecatu (PR), pedindo liminarmente o fim das práticas abusivas à legislação trabalhista e a condenação da Usina e de seus representantes em R$ 10 milhões, solidariamente, por dano moral coletivo.
Condenação
O juiz da Vara do Trabalho de Porecatu acolheu o pedido do MPT. Na sentença condenatória, ele observou que a usina, há décadas, vinha praticando “dezenas de infrações aos direitos dos trabalhadores, atingindo bens da vida que lhes pertencem por força do que dispõem as normas jurídicas, muitos deles atingindo a dignidade, honra, imagem, vida e integridade psicofísica dos trabalhadores”. Para o juízo de Porecatu, o modo de agir da empresa revelava “total desprezo pelo ordenamento jurídico-constitucional, pelas fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pelos termos de ajustamentos de condutas firmados com o MPT e pelas decisões da Justiça do Trabalho”.
A sentença sugeria que os valores da condenação por dano moral coletivo deveriam, a princípio, reverter “em favor da comunidade de Porecatu e municípios da região onde os réus mantêm atividade econômica e trabalhadores”, e não, como de praxe nas ações civis públicas, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
TRT
A usina recorreu da sentença. Pediu a redução do valor da condenação para no máximo R$ 500 mil. Sustentou que o valor de R$ 10 milhões era muito alto e contribuiria para piorar a situação econômica do grupo, sem resultar em qualquer benefício para a comunidade.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) reduziu o valor para R$ 1 milhão. Segundo o acórdão, já é pacífico no TST o entendimento de que a conduta ilícita patronal que afeta a coletividade de trabalhadores, violando direitos sociais constitucionalmente assegurados pelo artigo 7º, incisos VIII, XIII e XXII, da Constituição Federal, cria a obrigação de indenizar o dano moral coletivo. Porém, entendeu que a condenação não visa unicamente satisfação compensatória, mas também a aplicação de uma sanção com o objetivo de desestimular o empregador a agir de forma ilícita, e que seu valor deve-se pautar no princípio da razoabilidade.
TST
A Usina, em seu recurso ao TST, insistiu na adequação do valor da indenização por considerá-lo desproporcional. A defesa apresentou acórdãos que continham situações ligadas à utilização de mão de obra em condições análogas às de escravo, por considerá-las muito mais graves do que “as supostas ofensas” alegadas pelo Ministério Público.
Para o relator do recurso, ministro Alberto Luiz Brescianni de Fontan Pereira, o Regional deixou claro, ao entender cabível a indenização por dano moral coletivo, que “a lesão perpetrada afeta aos trabalhadores como um todo, ameaçando a dignidade do trabalhador e a moral da sociedade”. O valor fixado levou em consideração o princípio da razoabilidade, a capacidade econômica da Usina e a extensão da lesão. O relator observou que a decisão regional considerou que o dano moral coletivo também tem o objetivo de desestimular o empregador que age de maneira ilícita.
Para o ministro, as decisões trazidas para confronto nem sequer tratavam de dano moral coletivo pela inobservância das normas trabalhistas examinadas nesse caso. Quanto ao valor da indenização, considerou os acórdãos trazidos inespecíficos para confronto de tese, pois as cópias da íntegra das decisões não estavam devidamente autenticadas, em desacordo com a Súmula 337, item I, letra “a”, do TST.
Por essas razões, a Terceira Turma não conheceu do recurso da Usina, ficando mantida, portanto, a decisão que configurou o dano moral coletivo, bem como valor fixado de R$ 1 milhão.
(Dirceu Arcoverde)