sábado, 7 de maio de 2011

A greve dos vigilantes, seus detratores, e as questões que foram omitidas



    O direito de greve está consagrado no Artigo 9o da Constituição Federal de 1988. No entanto, apesar desta garantia constitucional, todo trabalhador brasileiro que decidir entrar em greve terá de enfrentar muitos oponentes, a começar pelo seu patrão. Mas os patrões não são os únicos inimigos do direito de greve. Vejamos como exemplo a greve dos vigilantes bancários que acaba de se encerrar.  As vozes que se levantaram desde o início da greve para denunciá-lo incluíram foram bastante heterodoxas em sua composição, mas homogêneas em sua denúncia a um movimento de greve legítimo. Em síntese, os argumentos apresentados se voltavam para denunciar um suposto exagero por parte dos vigilantes, que foram logo estigmatizados e tratados como verdadeiros inimigos da população.
   A atitude de criticar de forma repetida os vigilantes teve como contrapartida uma completa omissão frente aos verdadeiros causadores da greve, qual seja, os bancos e as empresas de segurança. Se analisarmos a situação financeira dos bancos veremos que apenas em 2010, os lucros obtidos por este tipo de estabelecimento chegou a R$33 bilhões, tornando seus donos e acionistas muito mais ricos do que já eram. Há ainda de se observar que os bancos brasileiros passaram incólumes pela crise econômica mundial de 2008, e já em 2009 lograram um aumento de 24% em seus lucros em relação ao ano em que economia global ficou de joelhos.  Assim, não é a falta de dinheiro que está na raiz da greve dos vigilantes. Quando muito, os donos dos bancos poderiam alegar que não controlam as empresas de segurança, e que pagam por serviços e que só se interessam pelo nível de proteção que é propiciado aos seus clientes dentro das agências.
    Entretanto, como há uma relação umbilical entre os bancos e as empresas que lhes prestam serviços de segurança, não há porque isentar os banqueiros da responsabilidade pelo inicio e a duração da greve. Segundo o que informam os sindicatos, o estado do Rio de Janeiro ocupa um simplório 16o lugar no ranking nacional de salários pagos a vigilantes bancários, com modestos R$ 800. Neste sentido, a proposta feita de se aumentar os salários em míseros 1,5% não poderia ser entendido como nada além de uma provocação a trabalhadores que diariamente arriscam suas vidas para permitir que os bancos continuem operando e obtendo lucros fabulosos.
    Neste contexto é que se torna ainda mais incompreensível a alegação de que a greve dos vigilantes era abusiva, quando todos os dias o cidadão comum é tratado com imenso desrespeito dentro da maioria das agências bancárias existentes em todo o território nacional, com as imensas filas das agências sendo apenas a ponta do iceberg.  Assim sendo, a insistência em associar o processo reivindicatório às extensas filas desafia o bom senso comum, pois estas são a regra e não a exceção para todo aquele cidadão comum que tem a infeliz necessidade de se dirigir ao banco para resolver um problema pessoalmente. Pior ainda é se o incauto cliente é apenas um pensionista, pois daí o desrespeito é exponencializado.
    Aliás, um dos segredos por detrás dos lucros fabulosos obtidos pelos bancos brasileiros não está apenas na aplicação de taxas de juros escorchantes, mas também na ampliação tarifada dos serviços automatizados. Assim, aqueles que se utilizam da internet e dos caixas automáticos não são clientes, mas sim empregados que pagam para os bancos por algo que deveria ser gratuito. Essa lógica perversa ainda inclui a diminuição da força de trabalho dentro das agências, o que, de fato, está na raiz das filas gigantescas que são enfrentadas todos os dias pelos cidadãos brasileiros dentro destas fábricas de dinheiro (para os banqueiros é claro).
    Estranhamente as vozes que se levantaram de forma tão pronta raramente se ocuparam em criticar este salvo conduto que os bancos desfrutam no Brasil. Talvez se os analistas se preocupassem menos com o exercício do direito de greve, e se voltassem à análise dos impactos negativos deste verdadeiro salvo conduto dado aos bancos, dariam uma verdadeira contribuição para a melhoria de vida da população.  Eu suspeito que uma razão para a tomada de posição em prol dos bancos resulta do fato de que estas pessoas não precisam ir pessoalmente ao banco resolver seus eventuais problemas, ou então por receberem tratamento diferenciado quando precisam fazê-lo.  Mas seja qual for o motivo, ao se ocupar da coisa errada, as suas manifestações refletem apenas intolerância para com os fracos que, neste caso, são os trabalhadores do sistema bancário.
    Mas esquecendo um pouco dos defensores dos banqueiros, penso que esta situação nos oferece uma oportunidade interessante de questionarmos a hegemonia dos bancos sobre nossas vidas. Creio que não seja difícil entender que a forma desregulamentada com que o sistema financeiro brasileiro opera atualmente vai totalmente de encontro aos nossos interesses individuais e coletivos. Já que a própria Constituição Federal possuía um artigo cujo um dos parágrafos estabelecia um limite para a cobrança de juros, talvez esteja na hora de lutarmos para que o Brasil deixe de ser o paraíso da especulação financeira mundial.