O deserto verde fluminense e a miragem da sustentabilidade
No dia 18 de Maio último, o Batalhão de Missões Especiais (BME) da Polícia Militar do Espírito Santo desalojou com requintes de violência mais de 300 famílias de uma área reclamada pela Prefeitura de Aracruz. Na ação que desencadeou a destruição da comunidade conhecida como Bairro Nova Esperança,até o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira, sofreu na pela a repressão da PM capixaba. As famílias desalojadas foram enviadas para um alojamento improvisado na quadra de esportes existente em Barra do Riacho. Mas por que esta operação de guerra foi realizada sem que existisse um local preparado para receber as famílias? Aparentemente tudo tem relação com a principal interessada em se instalar naquela área, a Fibria, empresa sucessora da Aracruz Celulose.
Mas como surgiu a Fibria e quem são seus proprietários? Para quem não se lembra, durante a crise financeira de 2008, a Aracruz Celulose teve perdas financeiras gigantescas por estar especulando no chamado câmbio futuro, e amargou um prejuízo que a colocou em situação falimentar. O mesmo destino era vislumbrado pelo Grupo Votorantim, que havia adotado as mesmas práticas de jogar na especulação do dólar. Ai apareceu o BNDES e resgatou o Grupo Votorantim, e de quebra a ele se uniu na transformação da Aracruz na Fibria, e hoje o governo federal detém 30,42% da nova empresa. Essa operação que custou caro aos cofres públicos é explicada como sendo fundamental para o Brasil continuar sendo um dos lideres mundiais na produção de celulose. No entanto, apesar de toda essa presença de dinheiro público, os fatos ocorridos na destruição do Bairro Nova Esperança mostram que as práticas truculentas da Aracruz, que lhe valeram uma forte oposição nacional e internacional, continuam firmes e fortes mesmo sob nova denominação.
Quase de forma simultânea aos eventos ocorridos no Espírito Santo, a Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão do Rio de Janeiro apresentou uma plano alcunhado de sustentável na Alerj cujo mote, primeiro e único, é viabilizar inicialmente o plantio de eucalipto numa área de 90 mil hectares nas regiões norte e noroeste fluminense, mas que poderá vir a ser muito maior. Segundo Eduardo Néry, coordenador do chamado Plano de Desenvolvimento de Silvicultura Sustentável do Rio de Janeiro, a meta seria implantar um projeto de silvicultura sustentável para apoiar o desenvolvimento econômico e a inclusão social dessas regiões. Como já tive a oportunidade de abordar recentemente aqui mesmo na Somos, a palavra sustentável agora virou a senha para conferir tintura verde para todo tipo de empreendimento poluidor, e o caso dos eucaliptais é um exemplo modelar deste tipo de artimanha utilizada pelas corporações e seus serviçais dentro do aparelho de Estado.
O interessante é que eu já tive acesso ao Plano Básico para o Desenvolvimento da Silvicultura Sustentável, que foi preparado pelo consórcio privado Rionor. Em uma rápida leitura localizei, com um misto de indignação e estupefação, a explicação que os autores deram às reservas, inclusive as feitas por mim, ao custo social e ambiental dos plantios florestais. Apesar de reconhecer que existem críticas que apontam para o fato de que os eucaliptais causam a diminuição da biodiversidade; a contaminação do lençol freático por fertilizantes e pesticidas; a diminuição dos estoques de água e a diminuição de fauna e flora, a resposta dada pelos responsáveis pelo plano foi tão singela quanto absurda:para eles, do ponto de vista técnico-científico, os impactos ambientais das plantações florestais seriam os mesmos das demais monoculturas agrícolas. Ora, esta explicação equivale a afirmar que os diversos tipos de carcinomas podem matar. Faltou apenas lembrar que independente da agressividade especifica de cada forma de câncer, ninguém em sã consciência quer ter um. Por que deveríamos então aceitar quaisquer tipos de monoculturas, que além de poluir e degradar o ambiente, ainda expulsam e empurram milhares de trabalhadores rurais para condições miseráveis de existência.
Em que pese as tentativas de minimizar as conseqüências diretas dos efeitos ambientais da implantação de monoculturas florestais em grandes áreas sobre as cidades, é preciso lembrar que no presente caso seremos vítimas potenciais da contaminação. E os veículos de transmissão serão os rios Paraíba do Sul e Muriaé, para onde deverão escorrer milhões de litros de agrotóxicos e toneladas de fertilizantes químicos que serão utilizados nos plantios. Este processo de contaminação deverá ser agravado pelo fato do eucalipto demandar grande quantidade de água para seu crescimento, o que termina ressecando as áreas em que é plantado, diminuindo assim a quantidade de água que chega aos rios. Essa combinação entre maior carga de poluentes e menos água no sistema deverá transformar o Paraíba do Sul e o Muriaé em verdadeiras piscinas de águas tóxicas. Este risco é tão grave que a prefeitura de Guaratinguetá, município que fica próximo das cabeceiras do Paraíba do Sul, proibiu recentemente a implantação novos plantios de eucalipto da Fibria em seu território!
Como em muitos outros casos que estão acontecendo, a hora de reagir é agora. Se demorarmos muito a reagir, teremos todos que terminar nossos dias importando água mineral até para tomar banho!