quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Sal 1 : Salinidade persiste nas águas e terras no entorno do Porto do Açu

Porto do Açu: salinidade na água persiste, segundo relatório da LLX

Documento vazado por fontes da empresa desmente versão que salinidade na água está sanada

Cláudia Freitas

Depois das declarações do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e das empresas OSX e LLX, do grupo empresarial de Eike Batista, garantindo que os impactos ambientais causados por uma falha técnica ocorrida durante as perfurações e extração de sal nas obras do Complexo Porto do Açu, no final do ano passado, já foram revertidos no município norte fluminense de São João da Barra, o Jornal do Brasil teve acesso a um documento que comprova que a contaminação ainda prejudica as propriedades na região. O relatório entregue por uma fonte interna da LLX ao JB contém um estudo técnico atual e detalhado do solo e da água da região, concluindo que os efeitos do desastre ambiental persistem.


O acidente ambiental ocorreu no ano passado, quando um dos tanques de transferência da empresa LLX apresentou uma falha técnica durante as perfurações e extração do sal para a construção do porto idealizado por Eike Batista. O problema provocou um derrame de água salgada que atingiu córregos, rios e propriedades dos pequenos agricultores, que denunciaram o caso ao Inea. Procurado pelo JB, o Inea garantiu que monitora o rio Quitingute, afetado pelo derrame, de 15 em 15 dias e a empresa OSX envia semanalmente os resultados do controle de águas superficiais e, mensalmente, de águas subterrâneas. O Inea afirmou através de nota, que todos os resultados atuais apontam que os níveis de salinidade retornaram ao padrão normal no rio Quitingute, em torno de 0,2% de salinidade. “A contaminação da área já foi solucionada”, diz a nota. O Inea ressaltou ainda que quer levantar os danos que podem ter ocorrido na época do acidente e se algum pode ter persistido até hoje.

No entanto, o relatório entregue pela fonte da LLX com uma pesquisa de campo, contratada pela própria LLX ao Instituto Federal Fluminense (IFF), constata que em mais de 10% das propriedades avaliadas a água está fora dos padrões normais para fins de irrigação. O intuito da pesquisa foi avaliar os impactos ambientais causados pelo empreendimento. Os estudos foram realizados com amostras de solo e água das propriedades atingidas no acidente e colhidas por pesquisadores do IFF, encaminhadas para o laboratório do Centro de Tecnologia Agrícola (Campo). O documento sigiloso e não divulgado foi denominado pelas partes contratadas como “Análise situacional dos produtores rurais ao longo do Canal Quitingute (Microbacia do Rio Doce, São João da Barra, RJ), como subsídio a análise do eventual impacto na agricultura decorrente de alterações de salinidade pontual e transitória do referido canal”.

LLX contratou pesquisa para avaliar impacto ambiental 

O conteúdo exposto em 52 páginas destaca que os resultados foram obtidos a partir das análises de amostras de tecido vegetal, solo e água utilizada para irrigação em 55 propriedades localizadas próximas ao empreendimento. Os resultados indicaram que as propriedades apresentam solos com níveis críticos de fertilidade, podendo causar danos “às culturas existentes”. Foi constatado ainda um processo de salinização e sodificação em algumas propriedades, representando um aumento da fração de sódio presente no solo. “Os resultados das amostras de tecido vegetal indicaram que estas refletem os aspectos nutricionais do solo, assim como algumas espécies apresentam teores de sódio acima do previsto na literatura. As amostras de água utilizadas para irrigação apresentam em 64,5% do total, uma condutividade de média a alta, devendo ser utilizadas para irrigação com restrições”, destaca o documento.

No relatório consta que as amostras foram entregues ao laboratório do CAMPO no dia 17 de março de 2013 e cita as metodologias analíticas adotas no estudo e nas planilhas eletrônicas com os dados alcançados. Segundo a pesquisa, “das 55 amostras de água coletadas, 10,9% estavam fora do padrão normal para fins de irrigação, referente ao parâmetro de condutividade elétrica” e “aproximadamente 33% dos pontos de coleta de solo apresentaram caráter sódico em pelo menos uma das profundidades analisadas (0 a 60 cm), o que pode trazer prejuízos à agricultura”, conclui o estudo.

Os técnicos destacaram que o problema da salinização do solo pode ser decorrente de diversos fatores e citam como exemplos o processo de formação dos solos da região, a irrigação conduzida de forma inadequada, a adubação sem recomendação técnica e qualquer ação antrópica capaz de modificar o ambiente. “A salinização dos solos pode ser causada por um fator isolado ou pela combinação dos mesmos”, diz o texto.

Dados da pesquisa comprovam que 10% das propriedades avaliadas ainda são afetadas pelo problema

Audiência pública que vai discutir a questão foi adiada pela Alerj

Os pequenos agricultores do 5º. Distrito de São João da Barra que tiveram as suas terras desapropriadas pelo governo do Estado para construção do Complexo Porto do Açu, terão que esperar mais um pouco para apresentar as suas denúncias na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A audiência pública marcada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) para esta sexta-feira (06/09) foi adiada e ainda não tem data para acontecer. Moradores da região estão processando o governador Sérgio Cabral, o empresário Eike Batista e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, por supostas irregularidades e uso de ações violentas no processo de desapropriação das terras.


O agricultor Durval Ribeiro Alvarenga, cuja propriedade fica bem perto das obras do porto, se livrou das desapropriações, mas teve as suas terras invadidas pelas águas salgadas e até hoje não conseguiu recuperar a sua plantação e nem a criação de gado. Segundo ele, o solo continua com uma quantidade excessiva de sal. “Os agentes do Inea estiveram na minha casa em dezembro, confirmaram para mim a contaminação e depois sumiram. O problema continua e estou sendo muito prejudicado, porque perdi a minha plantação de cana, abacaxi e a minha criação de gado está sentindo demais os efeitos da água contaminada”, contou ele. Durval disse que vai entrar, ainda esta semana, com processo contra o Estado, pedindo indenização pelos danos causados pelas obras do grupo de Eike Batista.