domingo, 22 de setembro de 2013

Mais médicos: estratégias de demonização para ampliar a privatização precarizante da saúde brasileira



As últimas semanas têm sido marcadas por uma interessante caricatura de enfrentamento em prol da saúde brasileira. De um lado o governo federal e seu exército de advogados vêm derrotando os poderosos conselhos de Medicina para supostamente defender o direito dos brasileiros mais pobres. De outro, os conselhos e demais organizações médicas se comportando como uma versão mambembe e preconceituosa dos Black Bloc para também supostamente defender o direito dos brasileiros a uma saúde de qualidade.

Mas a verdade, eterna vítima dessas encenações, foi a primeira vítima fatal desse processo. A verdade é que até os mais otimista dos apoiadores (pelo menos aqueles que não se converteram à seita neoliberal do Neopetismo) reconhece que o “Mais médicos” não vai resolver os graves problemas que afetam os serviços de saúde pública no Brasil. Quando muito, e não isto paradoxalmente não é pouco, vai permitir que milhões de brasileiros não morram de doenças que já foram varridas em outras partes do planeta, inclusive a polêmica Cuba. 

Mas ao apregoar essa qualidade, o que os membros do governo Dilma e da imprensa corporativa “esquecem” de dizer é que seja onde for, o brasileiro médio está cada vez mais sendo submetido á condições terríveis nos serviços públicos em geral, a começar pela Saúde. E se os dados orçamentários do governo federal fossem mostrados a maioria do povo de forma compreensível, essa mesma população iria querer que se alocasse menos bilhões para os bancos e mais para escolas e hospitais. 

E é justamente nesse ponto que está a grande farsa montada pelo governo Dilma com a ajuda prestimosa da imprensa corporativa. É que no mesmo momento em que o “Mais médicos” é lançado de forma performática , esse mesmo governo está tentando privatizar os hospitais universitários e ampliar ainda mais a privatização do SUS. 

A precarização da profissão médica como cereja do bolo

Os defensores mais laboriosos do governo neoliberal do NeoPT adoram colocar os médicos como uma classe de profissionais formados por burgueses despreocupados com a vida do próximo, e que só se preocupam com suas contas bancárias e com carrões da moda.


Ainda que efetivamente a maioria dos médicos venha das classes médias e altas da sociedade brasileira, isto não é a causa do caos em que estamos metidos na saúde brasileira. Aliás, não há quase lugar no mundo (talvez com a exceção de Cuba, China e Coréia do Norte) que os médicos não saiam das camadas privilegiadas da população. Mas e por quê? A explicação, é obvio, tem a ver com a inserção dessa profissão na produção e reprodução do Capitalismo. E a Medicina não é a única ocupação em que isto se dá. 

Mas a origem de classe dos médicos é que causa o caos em que a saúde brasileira está metida? È a origem de classe dos médicos que define a opção por um modelo que entrega cada vez mais o controle da saúde aos grandes monopólios internacionais que hoje avançam para dentro do Brasil, e não deixam nem a Medicina (ou a Educação) fora desse processo de ampliação da extração da Mais Valia nacional? É claro que não. Mas sobre os áulicos do NeoPetismo não tem nada a falar, não é?

Nesse processo de ampliação de extração da Mais Valia é que estamos vendo uma ampliação do processo de proletarização da classe médica. Basta ver quanto se paga aos médicos na maioria dos planos de saúde (o SUS da classe média). Não é à toa que muitos planos estão vendo uma debandada de médicos. Mas o problema é que apenas os profissionais mais capazes de obter múltiplas fontes de receita é que conseguem se libertar da ultra-exploração, deixando muitas vezes com profissionais hiper ocupados e nem sempre devidamente treinados.

E para os médicos o que isso traz? Primeiro, o adeus ao sonho de ter pela carreira uma ascensão ainda maior. Segundo, o abandono daquelas especialidades que são vistas como mais trabalhosas e menos rentáveis. Terceiro, o reconhecimento desagradável de que estão se tornando cada vez mais simples trabalhadores, destinados a um tipo de estresse ocupacional que não lhes foi ensinado nos bancos escolares.

Em que condições um país aceitaria médicos que não tiveram sua qualificação testada?


Um último aspecto que me parece gritante no imbróglio do “Mais médicos” é que o governo Dilma está contando com a ajuda célere e firme da justiça para impor uma novidade perigosíssima: a contratação de profissionais estrangeiros que não tiveram sua qualificação auferida. 

E ai eu pergunto aos leitores desse blog: em que condições esse tipo de situação é aceita em outras partes do mundo? Provavelmente em condições de guerra ou de grandes catástrofes. Em condições normais de temperatura e pressão, nem as barreiras mais fluidas do capitalismo global ousaram derrubar o exame da qualificação profissional, visto que o risco do charlatanismo são graves demais para serem ignorados.

Mas então por que está sendo impondo isso no Brasil? Essa pergunta me remete ao fato de que enquanto todos se preocupam com os médicos cubanos, médicos vindos de países com formações ainda mais precárias que as nossas estão sendo contratados para atuar no “Mais médicos”. E, pior, sem que o governo Dilma queira informar quem são e para onde vão? A minha experiência na Amazônia foi marcada por encontros com médicos vindos da América do Sul que não se sabia quem havia formado ou, pior, quem havia autorizados a entrada no Brasil.

A explicação para essa volúpia em quebrar o controle dos Conselhos Médicos não é a situação dramática em que parcelas consideráveis do nosso povo ainda vivem. Se fosse isso, o governo Dilma não estaria investindo tão pouco em saúde e tanto em juros bancários. A resposta me perdoem os mais otimistas, está no que apontei acima: invasão das corporações médicas multinacionais e precarização da classe médica brasileira para facilitar a privatização precarizante que está sendo engendrada pelo governo Dilma.