Romário fala ao Brasil de Fato e expõe como a relação entre Copa do Mundo e política tem violado a soberania do país para satisfazer os lucros privados de uma entidade internacional
Pedro Rafael, de Brasília (DF)
Desde que assumiu o mandato de deputado federal, em 2010, obtendo mais de 146 mil votos, o baixinho Romário (PSB/RJ) tem se especializado em outro tipo de artilharia: a política. Nesse campo, seus principais adversários são o presidente da CBF e os desmandos da FIFA no país.
Sua bandeira parlamentar reverberou durante a onda de protestos e mobilizações que está sacudindo a nação. Os exorbitantes gastos com a Copa do Mundo de 2014, que superam, e muito, o que se gastou nas edições anteriores do torneio, tem merecido eloquente repúdio das ruas. “As grandes obras prometidas foram quase todas canceladas”, adverte Romário.
A isso se adiciona a ingerência da entidade máxima do futebol, a FIFA, para organizar a competição no país. “Eles montaram um Estado dentro do Estado”, ataca. A moldura fica ainda mais "revoltante" na figura do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Comitê Organizador Local (COL) da Copa, José Maria Marin, político remanescente da ditadura militar, dono de uma biografia de triste memória. Sobre os rumos do país com a proposta de uma nova reforma política, Romário se esquiva de opinar, mas reconhece a necessidade de se criar mecanismos de participação popular.
Brasil de Fato – No país do futebol, o povo optou por sair às ruas em vez de ficar em casa vendo os jogos da seleção brasileira. Para você que hoje detêm um mandato parlamentar no Congresso, de que maneira essas mobilizações podem influenciar nosso sistema político daqui para frente?
Romário – Acredito que os políticos perceberam que o povo está atento a tudo que fazemos e que não está satisfeito com o que tem visto. Apoiei e continuarei apoiando todas as manifestações pelo fim da corrupção e dos desvios do dinheiro público. A mudança precisa acontecer e a melhor hora é agora.
O comportamento de senadores e deputados nos últimos dias, acelerando votações de temas importantes, sinaliza mudança de rumo? Como é que tem sido tuas conversas com colegas de parlamento?
Há uma clara sinalização de que as manifestações tiveram efeito imediato, mas é difícil saber se essas respostas não evidenciam apenas um medo de derrota nas urnas em 2014. Acho que precisaremos de mais tempo para avaliar, porque as votações foram respostas a uma crise, é necessário esperar mais alguns meses para verificar se a mudança foi de fato profunda. Vejo muitos discursos inflamados na Câmara esses dias, porém sabemos que poucos são realmente conectados com a população.
Acha que o plebiscito sobre reforma política proposto pelo governo é um caminho de mudança significativa?
Ainda não tenho opinião formada sobre o assunto. Reforma política é um tema muito complexo, a grande maioria da população não tem conhecimento sobre o assunto. Porém, com certeza, temos que utilizar mais os mecanismos de participação popular.
A FIFA está entre os principais alvos dos manifestantes. Qual a explicação para que uma entidade privada internacional consiga impor ao Estado brasileiro tantas exigências econômicas, políticas e sociais?
A FIFA anunciou que terá R$ 4 bilhões de lucro, livre de impostos, na Copa de 2014. Seu faturamento contrasta com a total falta de um legado efetivo. As obras de mobilidade e outras melhorias estão atrasadas e outras nem saíram do papel. Acho natural que a população se revolte ao perceber que está servindo para que a FIFA encha os bolsos sem ganhar praticamente nada em troca. Como eu já disse anteriormente, o verdadeiro presidente do Brasil hoje se chama FIFA. Ela chega aqui e monta um Estado dentro do Estado.
Você costuma apresentar dados estarrecedores sobre a natureza dos gastos para essa Copa do Mundo. O que é que o povo brasileiro precisa saber sobre isso?
Precisa saber a quantidade de dinheiro que o Brasil está investindo nessa Copa. Saber para onde está indo e como está sendo usado. Quando o Brasil foi escolhido para organizar o Mundial de 2014, o orçamento para o evento era de 23 bilhões de reais, mas agora ronda os 28 bilhões de reais. A África do Sul gastou quatro vezes menos para organizar o Mundial de 2010, e o Japão e a Alemanha quase um terço para organizar os de 2002 e 2006, respectivamente. Porque vamos fazer a Copa mais cara dos últimos tempos é o que o povo brasileiro precisa saber.
O “Fora, Marin” também aparece com força nas ruas. Como o clamor desses protestos pode se converter em mudanças na CBF se isso não depende exatamente do poder público?
Protocolamos na CBF uma petição pública pedindo a saída do Marin do comando da instituição com mais de 50 mil assinaturas. Isso já é um sinal claro de que as pessoas não concordam que a CBF tenha a sua frente uma pessoa com atitudes suspeitas. A CBF precisa ser uma instituição idônea. Por mais que seja uma empresa privada ela usa as cores do nosso país, nosso hino antes das partidas, além de todo apelo popular. São, dessa forma, representantes do Brasil e precisam mostrar uma boa imagem tanto aqui como lá fora.
Na sua avaliação, que tipo de legado a Copa do Mundo pode deixar para o Brasil?
Teremos um pequeno avanço de infraestrutura, mas muito abaixo do prometido e do esperado pelos brasileiros. Porque as principais obras são para atender os turistas, muitas grandes obras que ficariam de legado para a população foram canceladas.
Foto: Alexandra Martins/Câmara dos Deputados