Líder do MST analisa atual onda de protestos que sacode o Brasil
CHICO ALVES
Rio - Ninguém tem o conhecimento prático de João Pedro Stédile para analisar a atual onda de protestos que sacode o Brasil. Como líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ele coordena a maior e mais duradoura mobilização popular do país, com quase 30 anos de existência e participação de 20 mil famílias. Passeatas, ocupações e confrontos com as autoridades fazem parte de seu cotidiano. Costuma ser ouvido por diversos setores. Já foi convocado pela presidenta Dilma Rousseff, com quem vai se encontrar nos próximos dias, e conversa com sindicalistas e estudantes. O gaúcho — economista, prestes a completar 60 anos — analisa o momento brasileiro com otimismo. “As mobilizações vão ajudar a mudar nossa forma de fazer política”, acredita.
O DIA: Essa onda de protestos o surpreendeu?
Surpreendeu a todos pela rapidez com que se amplificou e pela amplitude nacional. Havia um sentimento de indignação latente nas pessoas, determinado por duas condições. Primeiro, se instalou uma crise urbana nas grandes cidades, transformando a vida num inferno. Péssima qualidade dos transportes públicos, do SUS, as filas de hospitais, a especulação imobiliária do capital e tudo mais. Por outro lado, a indignação diante das maracutaias dos políticos, com seus métodos, desde a submissão à Fifa, até à prática permanente do toma-lá-dá-cá. O aumento dos ônibus foi a faísca que precisava . E o combustível veio dos próprios governos estaduais, burros e insensíveis, que usaram a polícia para reprimir.
É grande a variedade de reivindicações. Quais as principais a serem atendidas?
Fizemos duas plenárias nacionais em São Paulo, com as centrais sindicais e todos os movimentos sociais. Unificamos uma só plataforma de temas. Começa pela tarifa zero para todos — não só estudantes — em todas as capitais, e passa pela garantia de investimentos públicos na educação, saúde. Exige aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas, retomar a reforma agrária, respeitar as áreas indígenas, até uma reforma política para valer.
O que acha da ideia de plebiscito ou referendo para a reforma política?
Acho que o governo e o Congresso deveriam aprovar o quanto antes, através de PEC, as diversas propostas de reforma política que representem as mobilizações e os movimentos na rua. Temas como o financiamento público de campanhas eleitorais, sistemas mistos de eleições parlamentares. E, sobretudo, dar o direito ao povo de convocar plebiscitos. Hoje, só o Congresso pode fazer essa convocação.
Como vê o fato de os protestos não terem sido liderados por partidos ou centrais sindicais?
É natural que num primeiro momento fosse só a juventude. Os partidos, todos, e as centrais fazem parte de espécie de institucionalidade, do jogo do poder. Por outro lado, os métodos de fazer política nos últimos anos priorizaram articulações de cúpula, artimanhas burguesas e mesquinharias do pequeno poder. Há ausência de debate político sobre os rumos do país. Nesse sentido, as mobilizações vão ajudar a mudar a forma de fazer política no Brasil.
Ao que atribui atos de violência em manifestações?
Ninguém em sã consciência vai à passeata para praticar violência. São vários fatores. Primeiro, despreparo da PM, que sempre trata o povo como inimigo, apesar de eles, policiais, serem parte do povo. Onde houve diálogo da PM não houve violência. Segundo, grupos fascistas, em especial em São Paulo e Rio, planejaram gerar caos e pânico. Grupos clandestinos integralistas agiram fazendo provocações violentas contra as bandeiras vermelhas e quebrando coisas. No Rio, atuaram também as milícias paramilitares das favelas, sob controle de políticos direitistas. E, finalmente, claro, há também uma parcela do lumpesinato (parcela miserável e desorganizada da população), que aproveita para fazer bagunça e saquear. Mas isso acontece até em romaria de igreja.
Acha que a mobilização continua, apesar do pacto proposto pela presidenta?
O pacto é só um novo método de diálogo com os setores organizados. As mobilizações vão continuar e se ampliar, e com a entrada da classe trabalhadora na briga. Essa convocatória das centrais sindicais e de todos movimentos sociais brasileiros para paralisarmos o país dia 11 de julho é fundamental. Traz para a rua a classe trabalhadora, que pode impor prejuízos à burguesia e arrancar conquistas que estão paradas há anos no Congresso, boicotadas pela Direita. Como a redução da jornada de trabalho para 40 horas, a reforma agrária, a reforma tributária, a suspensão dos leilões do petróleo.