quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O ano é novo, mas a crise é velha


Marcos A. Pedlowski, artigo originalmente publicado no site da Revista Somos Assim

Sob o risco de parecer um ogro mal humorado, penso que o início de 2013 está sendo marcado por um tipo de sinalização que mostra que ainda teremos saudades do ano que acabou de encerrar. E olha que 2012 não foi um ano fácil para os que precisam trabalhar para conseguir seus meios de sobrevivência. Afinal, a crise econômica mundial que teima em se aprofundar após a eclosão da crise hipotecária de 2008 está lentamente se aproximando do Brasil, já causando certa inquietação sobre o futuro.

E não é preciso ir muito longe para percebermos que além de não existirem boas sinalizações, o passado imediato continua a nos assombrar. Vejamos, por exemplo, o caso das inundações que acabam de destruir boa parte do Distrito de Xerém no município de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. As cenas de destruição ampla não deveriam ter surpreendido ninguém, visto que mesmo confrontados com a tragédia que matou centenas de pessoas na região Serrana em 2011, os governantes fluminenses até hoje pouco fizeram para melhorar as condições em que vivem milhões de cidadãos pobres. Se não fosse por nada, as cenas amplamente divulgadas do cantor Zeca Pagodinho e sua filha montados em um triciclo motorizado nas áreas alagadas em busca de vítimas a serem socorridas representaram uma síntese da falência do Estado. O fato é que um indivíduo, com seus recursos privados, foi capaz de oferecer respostas mais rápidas e eficientes do que o aparato formal das diferentes esferas de governo. Tudo bem que Zeca Pagodinho apoiou o PMDB nas últimas eleições municipais, e assim se tornou corresponsável pelas ações do governo estadual, mas não deixou de ser épico vê-lo circulando pelas ruas de Xerém, enquanto o governador Sérgio Cabral não estava em nenhum local para ser ao menos visto.

Entretanto, as enchentes em Xerém não foram o único elemento sinalizador de que o futuro começou muito mal no Rio de Janeiro. Em mais um dos numerosos casos que negam a pretensa pacificação da cidade do Rio de Janeiro, uma menina foi ferida na cabeça por uma bala perdida; ao ser levada a um hospital público, no caso o Hospital Municipal Salgado Filho, ficou oito horas aguardando atendimento. O atendimento acabou não vindo, porque o neurocirurgião escalado para fazer plantão não compareceu. A mídia empresarial rapidamente obteve os dados funcionais do médico e espalhou sua fotografia pelas telas de TV e páginas impressas, no que se configurou num rápido processo de linchamento público. Porém a mesma mídia trocou logo de assunto quando se descobriu que o referido profissional estava se ausentando da escala de plantão por discordar da ausência de um segundo neurocirurgião para acompanhá-lo em suas tarefas como, aliás, determina a legislação. O sempre célere prefeito Eduardo Paes, ao invés de explicar porque um hospital tão grande e importante não cumpre a lei, preferiu sair pela tangente e anunciar a criação de um sistema de controle de ponto eletrônico para os médicos atuando na rede municipal. Além de representar uma tentativa vergonhosa de jogar sujeira para debaixo do tapete, essa ameaça, se cumprida, poderá representar o sinal verde para uma grande evasão de profissionais da rede municipal carioca, já que, como todos sabem, inclusive o prefeito, muitos médicos só continuam trabalhando pelos salários miseráveis pagos na rede pública porque o controle de ponto é relativamente frouxo, e assim o velho jeitinho brasileiro pode ser usado para acomodar as vontades dos governantes e as necessidades dos servidores.

Um terceiro caso emblemático do que transbordou de errado de 2012 para 2013 é a situação de centenas de famílias no Morro da Providência, primeira comunidade favelada do Brasil e que fica encravada num dos pontos mais cênicos da dita cidade maravilhosa. Com a desculpa de realização de obras de urbanização voltadas para os megaeventos esportivos que ocorrerão no Rio de Janeiro em 2014 e 2016, a Secretaria Municipal de Habitação já demoliu 140 residências e marcou outras 832 para que tenham o mesmo fim. As famílias que vivem ali há gerações, que veem como seu destino a remoção para áreas distantes da região metropolitana, ainda amargam o recebimento de indenizações magras que se efetivamente não cumprem nem o papel de ressarcir as perdas financeiras imediatas e futuras que as famílias atingidas estão tendo, quiçá promoverão o limitado conforto moral e social que experimentam em seu local de origem. Enquanto isto, empreiteiros e especuladores imobiliários estão se esbaldando e rindo à toa. É que para eles, dinheiro não é problema.

O traço comum destes três casos é a opção aberta pela privatização do Estado. Se analisarmos quanto foi deslocado de recursos da esfera pública para empresas que terceirizam serviços públicos e para empreiteiros envolvidos em obras para os megaeventos, é quase certo que encontremos bilhões de reais escapando pelo ralo. Mas pior do que o mau gasto de recursos públicos é a imposição de uma lógica que desresponsabiliza os governantes em relação ao que se passa no interior de suas administrações. Não é à toa que Sérgio Cabral e Eduardo Paes, cada um a seu estilo, parecem mais atores performáticos do que governantes sérios e responsáveis.

FONTE: http://www.somosassim.com.br/pedlowski/o-ano-e-novo-mas-a-crise-e-velha