Marcos A. Pedlowski, artigo publicado inicialmente no site da Revista Somos Assim
Estou sem frequentar estádios de futebol há pelo menos uma década. A última vez que vi pessoalmente uma partida de futebol foi durante uma Copa do Brasil, quando o Palmeiras veio a Campos dos Goytacazes enfrentar o Americano. Não sei se foram as condições deprimentes de entrada e saída do Godofredo Cruz, mas o fato é que depois daquilo não tive mais vontade de me submeter ao sacrifício de ir a estádios, me resignando a assistir eventos esportivos no conforto do sofá.
Talvez por isto é que não tenha me entusiasmado quando o Brasil venceu a candidatura para sediar a Copa do Mundo da FIFA de 2014. Afora o custo exorbitante com o qual teria de arcar para ver pessoalmente uma partida do mundial, me preocupei de cara com os custos sociais e econômicos que tal empreendimento teria em território brasileiro. Afinal de contas, com Ricardo Teixeira e seu grupo à frente da Confederação Brasileira não haveria nenhuma chance de que tivessem qualquer preocupação com o princípio da economicidade e muito menos com as pessoas pobres que seriam inevitavelmente afetadas por remoções e desconstrução de seus ambientes de vida.
O alerta dado de forma bastante precoce pelo ex-jogador e atual deputado federal Romário de que a Copa do Mundo implicaria num dos maiores assaltos aos cofres públicos na história do Brasil serviu para aumentar minhas desconfianças. Aliás, há que se frisar que o alerta de Romário vem se confirmando através das notícias de que os preços dos estádios vêm aumentando quase diariamente, e que apenas as obras do Maracanã já chegaram aos estratosféricos R$ 1 bilhão. Além disso, informes dados pela mídia dão conta que a maioria destes estádios caríssimos será passada para empresas privadas que poderão obter lucros fabulosos com o funcionamento de estruturas nas quais não investiram um centavo sequer.
Antes de me enveredar por caminhos que buscam analisar o que significa gastar rios de dinheiro com estruturas de entretenimento enquanto inexistem condições dignas de saúde e educação para a maioria do povo, vou me deter nas explicações socioespaciais que este mundo novo representado pelos estádios assépticos idealizados pela FIFA nos propiciam. Não é preciso ser um especialista para notar que o futebol e outros esportes de massa se tornaram um filé mignon para as grandes corporações econômicas. Se analisarmos apenas a Premier League da Inglaterra veremos que a maioria dos times chamados grandes é hoje propriedade de alguma corporação ou de algum bilionário. Mas o caso inglês não é isolado, pois todas as grandes ligas da Europa estão hoje na mesma situação.
Mas qual é o problema em grandes clubes serem controlados por entes privados cujo interesse maior é o lucro? Não é preciso ser muito cínico para saber que isto afeta toda a estrutura do esporte, visto que empresas e bilionários não se emocionam como os que dispõem a financiarem com seu dinheiro o funcionamento da máquina esportiva. Isto sem falar das ramificações que cercam o funcionamento do esporte, pois desde redes de televisão até fabricantes de todo tipo de produto possuem interesses que sempre vem na frente dos interesses esportivos.
Este processo de supremacia dos interesses financeiros sobre o esportivo também se reflete nos fabulosos salários que os jogadores de futebol recebem neste momento. A situação salarial é tão surreal que até verdadeiros pernas-de-pau hoje recebem mensalmente verdadeiras fortunas que servem para alimentar não apenas egos, mas principalmente uma estrutura de privilégios que beneficia empresários, seguranças privados, organizadores de festas e até, mas nem sempre, familiares. De quebra, um número restrito de milionários da bola é transformado em garoto propaganda de todo tipo de produto, enquanto dentro e fora de campo são tratados como intocáveis. O exemplo do ex-goleiro Bruno, que assassinou a mãe de um de seus filhos para não ter de pagar pensão, é apenas o exemplo mais dramático deste tipo de tratamento paternalista dispensado a jogadores de futebol em nome do lucro trazido pelo esporte.
Por isso, voltando à questão dos gastos causados pela Copa de 2014, o fato é que não podemos nos deter a eles. Para entender a amplitude dos impactos que trarão devemos olhar para fora dos estádios e ver como a lógica privatizada está sendo exportada para o espaço urbano das cidades escolhidas para sediar o evento. A cidade do Rio de Janeiro, por ter o supremo azar de também ter sido escolhida para sediar os Jogos Olímpicos em 2016, é apenas a ponta do iceberg, evidenciada na violência das remoções e pela imposição de regras urbanas rígidas visando higienizar socialmente as áreas escolhidas para a instalação de estruturas de suporte aos megaeventos esportivos. Há que se lembrar de que em contraposição à construção dos espaços elitizados que serão usados eventualmente pelos frequentadores destes eventos, as estruturas que servem aos habitantes da cidade real estão sendo abandonadas à sua própria sorte, sem qualquer tipo de investimento que chegue ao menos próximo do que está sendo gasto, por exemplo, na reforma de estádios como o Maracanã.
Assim se alguém me perguntar se eu serei trabalhador voluntário da FIFA durante a Copa do Mundo, vou logo avisando que não. Afinal, é muito descarado pedir para alguém trabalhar de graça depois de lucrar bilhões e oferecer em troca hospitais sucateados e escolas destruídas.