domingo, 11 de março de 2012

A ignorância sobre o colocamos em nossas mesas pode ser péssimo para a saúde! 

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 235 da Revista Somos Assim


Ao contrário do que diz o ditado popular “de onde menos se espera é que não vem nada mesmo”, a China vem adotando algumas medidas na área alimentar que deveriam ser acompanhadas mais de perto por todos nós. Primeiro, há algumas semanas as redes de supermercado chinesas começaram a retirar voluntariamente de suas prateleiras o energético “Red Bull” que tanto sucesso faz no Brasil. A explicação para este movimento radical foi a detecção no produto de quatro substâncias não autorizadas pelas agências sanitárias chinesas, e cujo consumo excessivo estaria ligado a uma série de doenças cardiovasculares e renais, para começar. 

Os desconfiados das intenções chinesas podem ter assumido que tudo não passou de uma jogada de marketing para substituir o “Red Bull” por outra bebida similar produzida por alguma empresa chinesa. Essa desconfiança em relação aos chineses chega a ser até normal, visto o currículo pregresso de suas corporações em relação aos chamados direitos autorais. Mas agora, as autoridades esportivas chinesas acabam de lançar uma proibição que poderia soar “sui generis” caso não viesse acompanhada de uma explicação mais do que plausível. O fato é que os atletas chineses que participarão dos Jogos Olímpicos de Londres foram proibidos de consumir carne que não seja aquela fornecida pelo Comitê Olímpico Chinês. A causadora desta medida, que poderia ser considerada radical, é um hormônio de crescimento, o clembuterol, que é muito usado pelos criadores de animais na China para engordar artificialmente bovinos, aves e suínos. O problema no caso do clembuterol é que esta substância é considerada dopante em algumas disciplinas esportivas, o que já levou à várias suspensões de atletas chineses, que literalmente pagaram o pato por causa das práticas dos pecuaristas de seus países. Agora, para evitar surpresas desagradáveis, o Comitê Olímpico chinês controlará a qualidade da carne sendo consumida por seus atletas. 

Mas a China não é o único país onde o consumo de determinadas substâncias está sendo questionado devido aos seus possíveis efeitos sobre a saúde humana. Um exemplo bem recente é a polêmica que está ocorrendo nos EUA em relação à descoberta de que a maioria das empresas que produzem refrigerantes está usando etileno glicol em suas bebidas, uma substância que normalmente é usada para impedir o congelamento dos radiadores de veículos durante o inverno, visando alcançar uma rápida queda de temperatura na bebida, ao mesmo tempo em que dificulta o processo de congelamento; o etileno glicol também contribui para a sensação de sabor adocicado das bebidas que o contém. A explicação dada por empresas como a Coca Cola e a Pepsi Cola é que o nível de uso do etileno glicol ocorre dentro de padrões de segurança, e que não há qualquer risco para a saúde das pessoas que estão consumindo os seus produtos. No entanto, os críticos do uso do etileno glicol apontam para as evidências existentes de que o seu consumo já foi ligado a doenças renais. O interessante é que ao menos neste caso, o principal questionamento tem a ver com a intensidade de consumo dos produtos que contêm o etileno glicol, visto que os refrigerantes não são os únicos produtos em que ele está presente. Entretanto, o principal problema no tocante aos refrigerantes, como os produzidos pela Coca Cola e pela Pepsi Cola, é justamente o fato de que o consumo se tornou bastante elevado, especialmente entre os mais jovens. 

Mas, qual é realmente o problema nos casos que foram aqui citados? O principal problema, e talvez o mais crucial que estejamos enfrentando neste momento, se refere ao quê de fato a indústria de alimentos está nos entregando para consumo. A maioria das pessoas que vai aos supermercados adquirir os alimentos que serão consumidos em suas residências assumirá que se algo está sendo vendido é porque alguém analisou a qualidade e possíveis riscos sobre a saúde humana. No entanto, é bem provável que esta maioria nunca tenha parado para pensar que a determinação dos níveis de segurança dos produtos que nos são entregues para consumo não obedece necessariamente à idéia de preservação da saúde, mas mais provavelmente à garantia do lucro das empresas fabricantes. Além disso, como a recente polêmica ocorrida quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) liberou os resultados sobre contaminação de legumes e verduras por agrotóxicos mostrou, nem mesmo as evidências científicas estão livres de serem questionadas quando o interesse das corporações que movimentam a indústria de alimentos é colocado em xeque. 

Mas esta queda de braço entre as corporações que produzem alimentos e os órgãos que deveriam defender os nossos interesses por alimentos seguros e sadios não é novidade. Em um livro publicado pela primeira vez em 2003 sob o título “Food Politics”, a socióloga norte-americana Marion Nestle mostrou como as empresas da área de alimentos excercem um controle total não só sobre os processos de oferta e consumo, mas também os possíveis críticos de suas práticas e da qualidade de seus produtos. De toda forma, fica claro que não é mais possível consumir de forma ingênua, pois os riscos decorrentes são claramente inequívocos. E não é preciso ser chinês para saber disto.