quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Em Minas, Anglo sofre para tirar do papel projeto de US$ 5,8 bi

Restrições ambientais travam projeto de mineração vendido por Eike Batista

GLAUBER GONÇALVES / TEXTO, TASSO MARCELO / FOTOS, ENVIADOS ESPECIAIS , CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO (MG) - O Estado de S.Paulo

Na rocha clara, o desenho primitivo lembra a figura de uma aranha. Num outro canto, veem-se restos de uma fogueira e ferramentas abandonadas. Embora esses elementos remetam a situações corriqueiras, o fato de terem resistido a cerca de oito mil anos de história lhes conferiu força para interferir no andamento de um investimento de US$ 5,8 bilhões. Os vestígios foram encontrados no município de Conceição de Mato Dentro (MG), numa área onde a Anglo American tenta há quatro anos tirar do papel seu projeto de minério de ferro - comprado por US$ 5,5 bilhões, em 2008, da EBX, do empresário Eike Batista.

Dos dois lados da rodovia que corta a região há poucas casas e quase não se avistam moradores. Fora a poeira vermelha levantada pelo tráfego de caminhões e vans de empresas ligadas ao projeto, o cenário é de calmaria. Mas a aparente tranquilidade esconde os problemas que impedem o empreendimento de ir adiante. Além da existência de sítios arqueológicos, a companhia enfrenta uma série de obstáculos - da dificuldade na negociação com proprietários das terras até a existência de grutas na área de mineração.

Na semana passada, a Justiça mineira confirmou a decisão que impedia a Anglo de reduzir de 250 para 100 metros o raio de proteção no entorno de uma caverna. O Ministério Público Federal argumentou que o licenciamento não pode ser feito por órgãos estaduais, já que as cavernas são bens da União. Apesar disso, a Anglo não permitiu a entrada da reportagem no local. Guias turísticos e moradores se recusaram a ir até lá, dizendo temer represálias da empresa.

"Essa formação tem um importante papel no armazenamento de água e detém informações sobre formas antigas de vida", diz a procuradora da República Mirian Moreira Lima. Com a decisão, que ainda pode ser contestada judicialmente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) precisa ser consultado sobre a questão. "O Estado estava concedendo o licenciamento com base nos estudos feitos pela própria mineradora, que tem interesse em reduzir o máximo possível esse limite."

O produtor rural Antônio Pimenta, de 51 anos, afirma que a empresa tomou sua propriedade, que dava acesso à caverna, sem lhe pagar pelo terreno. Ele diz não ter aceitado as condições da companhia e agora discute a questão na Justiça. "Não sou contra vender, mas quero condições justas", pontua.

No local também há um sítio arqueológico, onde, além de pinturas rupestres, foram encontradas 39 mil pedras lascadas, restos de alimentos, lâminas de machado e cerâmicas. Embora faltem estudos para identificar a idade exata desses vestígios, especialistas acreditam que os objetos datem de oito milênios. Em abril, a empresa havia sofrido derrota em outra frente de trabalho. A Justiça mineira suspendeu a licença ambiental para a implantação de uma linha de transmissão que levaria energia ao empreendimento. O problema também foi a falta de autorização do Ibama.

Os problemas enfrentados pela Anglo são resultado, em parte, de sua forma de atuação. Em junho, a empresa foi advertida pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e pela Defensoria Pública por "graves violações aos direitos humanos". Segundo as instituições, os atos da mineradora poderiam resultar em vários crimes ou contravenções, entre os quais ameaça, constrangimento ilegal, violação de domicílio e perturbação do sossego.

Na comunidade de Água Quente, moradores reclamam que, depois que a mineradora começou a atuar na região, a água que abastecia as residências ficou imprópria para o consumo. A companhia instalou, então, um poço no local. Mas falhas técnicas impedem o bombeamento até as casas. "Já ficamos cinco dias sem água. Nos mandam água mineral engarrafada, mas como vamos tomar banho ou fazer comida?", queixa-se uma dona de casa, que pediu para não ser identificada.

Não muito longe, Natalina Ferreira, de 80 anos, disse ter ficado surpresa no dia em que a empresa chegou com um caminhão para retirar seus pertences da propriedade da família. "Não estou bem de saúde e não sei para onde iriam nos levar", diz.

Natalina conta que assinou uma procuração para o sobrinho negociar com a empresa, mas ressalva que ele vendeu a casa sem sua autorização. Ao tomar conhecimento da situação, a Justiça teria revogado a decisão que transferia a propriedade à Anglo. Se conseguir aval para atuar no local, a empresa pode ter mais problemas: na área há grutas, o que pode demandar estudos especializados.

Procurada, a Anglo informou, por meio de sua assessoria, que a primeira parcela, referente a 30% do valor total, foi paga em maio à proprietária e a cada um de seus cinco filhos. Segundo a empresa, a segunda, relativa aos 70% restantes, foi feita por depósito judicial em junho. A Anglo argumenta que obedece a legislação no que se refere à delimitação do raio de proteção da caverna e acrescenta que tem atuado para manter sua integridade. A companhia garante que realiza as negociações de aquisição de terra de acordo com "todos os critérios legais aplicáveis", nega desrespeito aos direitos humanos e afirma que tem trabalhado para solucionar as demandas das comunidades.