A Reforma agrária: uma tarefa inescapável mesmo em tempos de neoliberalismo a la PT
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 259 da Revista Somos Assim
Um alienígena que estivesse retornando à Terra após um intervalo de uma década talvez pensasse que aterrissara na dimensão errada. Afinal, as últimas semanas têm sido muito peculiares quanto à trajetória do Partido dos Trabalhadores e de sua ação política, particularmente nas políticas anunciadas pelo governo federal. Falo aqui da dualidade de práticas nas relações com grandes empreiteiras e com o funcionalismo federal; de um lado, a presidente Dilma Rousseff acaba de anunciar um generoso pacote de R$ 133 bilhões para a área de transportes, no qual a iniciativa privada será a grande beneficiada. Já no trato com os servidores federais em greve, o que tem se visto é uma ação truculenta que ameaça cortar o ponto e manter salários congelados. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, chegou inclusive a proferir uma declaração digna dos piores momentos aloprados do PT nos últimos anos, quando declarou que embora os professores das universidades fossem ter seus salários suspensos, mesmo assim ainda teriam que repor o calendário de aulas, o que representou um flerte inédito com o trabalho escravo.
Falando em trabalho escravo, a mais nova apoiadora do governo Dilma, a dublê de senadora e latifundiária Kátia Abreu (PSD/TO), mostrou uma admiração pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que também deixaria o nosso alienígena embasbacado. Num dos muitos encontros que teve com representantes do governo Dilma nos últimos meses, Kátia Abreu afirmou que finalmente o Brasil tinha uma ministra na área ambiental que se preocupava com o desenvolvimento. Este tipo de cumprimento vindo daquela que já recebeu o inglório troféu “motosserra de ouro” deixaria os petistas sobressaltados em outros tempos. Mas agora isto talvez não fique nem próximo de acontecer, pois o pragmatismo petista resolveu abraçar até os líderes mais duros do latifúndio arcaico que ainda domina o congresso nacional. Deste modo, qualquer sinalização do PT de que vá reagir às contínuas tentativas da bancada ruralista de afrouxar ainda mais a legislação ambiental não passará de encenação. A verdade nua e crua aparece nas fotografias em que Dilma Rousseff e Kátia Abreu aparecem em entreolhares e muito sorridentes. George Orwell e seu épico “A Revolução dos Bichos” não poderia ter sido mais profético.
Mas a capitulação do PT à agenda neoliberal não para na área ambiental, e se manifesta ainda mais claramente na questão da reforma agrária. O fato é que o governo Dilma enterrou de vez qualquer resquício de compromisso em mudar a trágica situação fundiária brasileira. A aposta do PT, e o kit da felicidade que as empreiteiras acabam de receber na área de transportes, é cada vez mais aprofundar a dependência da balança comercial brasileira da exportação de commodities agrícolas e minerais. Neste cenário, qualquer menção à reforma agrária será apenas para criar uma distração para aqueles setores da esquerda e da intelectualidade brasileira que aceitam ser tratados como parvos pelo PT. A verdade, mais uma vez ela, é que o atual governo corre da questão da reforma agrária como o vampiro corre do colar de alho e da estaca.
A questão que poderia ser levantada é sobre como ficamos em função deste giro estratégico do PT em direção contrária à de suas bandeiras históricas. Só para ficarmos ainda na área da agricultura, os dados sobre importação de alimentos evidenciam que estamos sendo empurrados para o precipício. A FAO, agência da ONU que cuida da área agrícola e dos alimentos, vem insistentemente alertando para a iminência de uma nova crise mundial no abastecimento. A FAO tem ido mais longe e desaconselhado o uso de determinadas culturas para a produção de biocombustíveis, destacando-se o milho e a soja.
E qual tem sido a resposta do governo Dilma aos alertas da FAO? Nenhuma! Como consequência desta dificuldade do governo do PT de ouvir qualquer coisa que vá de encontro às suas políticas de colaboração com o latifúndio, o Brasil está tendo de importar quantidades cada vez maiores de alimentos. O problema é que a qualquer momento, países que hoje exportam alimentos para o Brasil, como a China e a Tailândia, podem decidir suspender suas vendas em nome do abastecimento dos seus próprios mercados internos. Se isto acontecer, a ida aos supermercados e feiras se tornará um ato extremamente oneroso, ao menos para aqueles que ainda conseguirão pagar.
Por essas e outras é que não devemos nos deixar distrair por supostas querelas como é o caso do propalado julgamento do caso do “Mensalão” ou da natimorta CPI do Cachoeira. Todas essas questões são meras distrações e são criadas justamente para que não façamos as discussões que estão aí pedindo para serem feitas. E até esse momento, o PT e o PSDB estão juntos e sendo apoiados por seus partidos satélites, como o PMDB e o DEM, na tentativa de jogar fumaça em nossos olhos. É que nessa salada partidária, apesar de todas as eventuais diferenças, a aposta é que continuaremos a não ver um grande acordo sendo feito para impedir as mudanças estruturais que o Brasil necessita urgentemente realizar. Começando pela realização de uma reforma agrária ampla, massiva, geral e irrestrita.