segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A construção do Complexo industrial- Portuário do Açu em São João da Barra: oscilando entre o sonho e o pesadelo

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número277 Jornal dos Economistas publicado pelo Conselho Regional de Economia 1a. região e pelo Sindicato dos Economistas do Estado do Rio de Janeiro (Aqui!)


O sonho de uns

A construção do Complexo Industrial-Portuário do Açu (CIPA) no 5º Distrito de São João da Barra vem sendo anunciada como sendo o fato que alavancará financeira e socialmente não apenas o município que o hospeda, mas também toda a região Norte Fluminense. Visto na maquete, o CIPA é efetivamente uma iniciativa de grande envergadura, pois o investimento total anunciado gira em torno de 40 bilhões de dólares. Além disso, o número total de empregos diretos e indiretos chegaria a 235 mil postos de trabalho entre 2008 e 2025. 

O grande mentor do CIPA, o bilionário Eike Batista, insiste em enfatizar a grandiosidade de seu complexo portuário-industrial, notando que o Porto do Açu será menor apenas que o de Roterdã, na Holanda. A promessa é que, em função de seu tamanho e localização, o Porto do Açu deverá ocupar um papel estratégico não apenas na mobilização do minério de ferro que será extraído em diferentes partes do território de Minas Gerais, mas, principalmente, do óleo extraído na Bacia de Campos, mais precisamente na camada pré-sal. Entretanto, o CIPA não se restringirá apenas à construção de um superporto, mas abrangerá também a instalação de um estaleiro, duas siderúrgicas, uma cimenteira e duas termelétricas, além de um vasto parque logístico que deverá apoiar as atividades petrolíferas emergentes na Bacia de Campos. Para levar todos esses planos industriais adiante, Eike Batista vem procurando parcerias com grandes corporações multinacionais e com o Estado brasileiro.

Os benefícios alardeados também possuem um elemento ideológico, já que o território do 5º Distrito de São João é apresentado como uma área que se encontraria em estado crônico de depressão econômica, com poucas terras aptas à prática da agricultura, e com uma baixa densidade populacional. Além disso, um elemento de ganho extra aventado é que haveria um ganho na área da sustentabilidade ambiental, visto que estão sendo criadas três unidades de conservação na região do entorno do futuro Distrito Industrial de São João da Barra. O Grupo EBX também vem alardeando o estabelecimento de vários programas de cunho ambiental, cuja implementação traria ganhos consideráveis na preservação da vegetação de restinga, que é o principal tipo de cobertura vegetal existente de forma contínua em todo o território que está sendo ocupado pelo CIPA. Para complementar todo este suposto giro para um futuro economicamente mais dinâmico e ambientalmente sustentável, o Grupo EBX vem divulgando que as famílias cujas propriedades foram desapropriadas pelo governo fluminense para a construção do CIPA estão sendo enviadas para um condomínio rural modelo, a Vila da Terra, onde os sistemas agrícolas adotados deverão estar sintonizados com as mais avançadas práticas agroecológicas. Para completar esse cenário otimista, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN) vem apresentando o CIPA como um catalisador para a atração de outros agentes econômicos. Esse otimismo todo tem permitido que se façam projeções de crescimento populacional para algo em torno de dois milhões de novos habitantes até 2025, apenas para Campos dos Goytacazes e São João da Barra. E é claro que, com a chegada de toda essa massa humana, haverá um explosivo incremento de consumo de todo tipo de material de construção, eletrodomésticos e alimentos.

Pode ser o pesadelo de outros

Diante de tal perspectiva de dinamização e crescimento da economia regional, chega a ser natural que o CIPA tenha sido assimilado pela população local como algo intrinsecamente benigno. E aqui talvez esteja uma das raízes dos problemas que não têm sido devidamente discutidos. O fato é que, apesar de o CIPA estar incluído no Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal, é o governo do Rio de Janeiro que tem se esmerado para literalmente aplainar o terreno para que Eike Batista possa viabilizar seus projetos. 

A primeira ação do governo Sérgio Cabral para viabilizar a implantação do CIPA foi formular um decreto de desapropriação no “interesse público” que resultou num caótico processo de remoção de uma população formada por pequenos agricultores e pescadores que viviam e produziam naquela região há várias gerações. 

Além disso, a atuação do órgão regulador ambiental estadual, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), também acelerou bastante a emissão das necessárias licenças previstas pela legislação ambiental.  Entretanto, celeridade não foi o único elemento problemático da atuação do INEA no caso do CIPA. Como já havia feito em outros casos de empreendimentos de grande porte, como foi o caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico na Baía da Sepetiba, o INEA adotou também aqui o que eu venho chamado de licenciamento ambiental “Fast Food”. Nesta modalidade bastante atinada aos interesses dos empreendedores, o INEA realizou o licenciamento fracionado das diferentes plantas industriais que comporão o CIPA. Esta prática não apenas acelerou a liberação das licenças, mas tornou impossível estimar os efeitos sinergéticos que decorrerão das alterações realizadas nos ecossistemas naturais e das emissões que ocorrerão em cada uma das plantas industriais autorizadas. 

Uma consequência disto é que tudo o que se observou em termos de alterações da qualidade do ar em Santa Cruz devido à CSA talvez seja apenas uma prenúncio magro do que acontecerá em São João da Barra. Entretanto, a degradação ambiental que poderá ocorrer futuramente não é o principal problema cercando a implantação do CIPA. Na verdade, as versões que descrevem o território do 5º Distrito de São João como sendo desocupado e economicamente insignificante não são verdadeiras. Por um lado, apesar de não existir uma alta densidade populacional, efetivamente havia ali um número importante de famílias de pequenos agricultores que trabalhavam e respondiam por uma parcela significativa da produção estadual de várias culturas agrícolas, destacando-se o abacaxi, o quiabo e o maxixe. Aliás, até o início da implantação do CIPA, dados divulgados pelo IBGE mostram que o rendimento por hectare plantado em São João da Barra era o maior de toda a região Norte Fluminense, justamente pela produção gerada no 5º Distrito.

Mas o desrespeito ao conhecimento autóctone desenvolvido ao longo de vários séculos não foi nem de perto comparável ao que se deu na área das desapropriações feitas pela CODIN. Até o presente momento, a maioria dos agricultores que tiveram suas terras desapropriadas e repassadas imediatamente ao Grupo EBX ainda não foram devidamente ressarcidos. Além disso, em um número significativo de casos, as famílias foram removidas do interior de suas propriedades por meio do uso de fortes contingentes policiais, muitas vezes sem o necessário mandado de imissão de posse. 

O que tem se visto como consequência desta ação truculenta do Estado é a desestruturação de famílias inteiras e uma diminuição da produção agrícola. E mesmo as poucas famílias que aceitaram ser removidas para a Vila da Terra se encontram num completo estado de insegurança jurídica, já que as terras que foram utilizadas para a sua construção fazem parte da massa falida de uma antiga usina de açúcar e álcool, o que os impede, por exemplo, de ter 
acesso ao título da terra.

O contraponto entre os planos e a realidade foi mais evidenciado pela recente debacle das ações das empresas da franquia “X” no mercado de ações: ainda que a principal razão alardeada para o encolhimento do patrimônio do Grupo EBX e de seu proprietário tenha sido um erro grosseiro na produção estimada dos poços de petróleo controlados pela OGX na Bacia de Campos, o mercado já vinha emitindo sinais claros de impaciência com a falta de materialização dos planos mirabolantes de Eike Batista faz algum tempo. O interessante é que, junto com o derretimento do valor das ações, o que temos assistido é a fuga dos parceiros declarados de vários empreendimentos importantes para a consolidação do CIPA. E no rastro desta perda dos parceiros forçosamente virá o encolhimento das metas de geração de emprego e renda que marcaram a fase inicial de instalação do empreendimento. 

A pergunta que muitos já fazem é se Eike Batista vai conseguir dar a volta por cima ou não. Mas supondo que consiga, a hipótese mais forte é que nem tudo o que foi planejado se tornará realidade. E aqui talvez resida o principal ensinamento para aqueles que embarcaram de forma acrítica em projetos como o do CIPA, ignorando a realidade existente para mergulhar em projetos repletos de promessas, mas que terminam trazendo mais problemas do que soluções. Afinal, como já diz o velho ditado, “nem tudo o que reluz é ouro”.