POR FELIPE MODA E FÁBIO NASSIF
As jornadas de junho colocaram o Brasil na rota dos indignados mundiais. Milhões saíram às ruas e, além de vitórias concretas, foi alterado o olhar dos brasileiros acerca de protestos, transformando a visão das manifestações como algo que aumenta o trânsito das grandes cidades e é coisa de desocupados para algo justo, de pessoas que lutam pelos seus direitos.
Frente a este salto de consciência da população, entramos nas mobilizações de julho e agosto. Estes meses foram marcados por manifestações menores, mas bastante focadas, que se apoiavam no apoio popular aos protestos para promoverem tais ações. Ocupações de Câmaras, enfrentamentos com símbolos do capital, ocupações de parques e de outras áreas urbanas passaram a acontecer nas principais cidades brasileiras e mantiveram o sentimento de indignação nas ruas. Desta forma, cabe uma reflexão para nós, da esquerda revolucionária, sobre quais são as melhores táticas a serem usadas para voltarmos a massificar os protestos.
Recentemente, diversas organizações entraram em polêmicas de como devemos nos relacionar com a chamada tática Black Block, promoveram ações para tentar “dirigir” as manifestações pós-junho e, por discordarmos destas ações, escrevemos este texto como forma de expressar uma outra visão sobre as táticas de construção dos protestos.
As polêmicas levantadas contra os Black Blocks
Recentemente, eu seu site, o PSTU lançou duas notas criticando as ações dos chamados Black Blocks, visando assim ter um debate estratégico com esta “organização”. Este debate por si só já começa de maneira bastante confusa por dois motivos: 1) os Black Blocks não são (e nem querem ser) uma organização política e as pessoas que adotam essa tática sempre deixaram claro que entre elas existem pessoas das mais diversas ideologias, que se unem em cima de uma tática de ação contra “símbolos do capitalismo”; e 2) por não serem uma organização política, “os Black Blocks” não têm uma estratégia revolucionária e, logo, não é possível fazer um debate em cima da “estratégia equivocada dos Black Blocks”, como diz o PSTU. Sem partirmos dessa leitura mínima frente a esta parcela do movimento, fica impossível não cairmos em grosserias de como nos relacionarmos com os que compartilham desta visão.
A trincheira que dividia o movimento brasileiro no último período, grosso modo, foi separada pelas pautas de esquerda e direita, compreendendo como esquerda não só os socialistas revolucionários, mas sim todos os jovens trabalhadores que foram às ruas em junho em torno de pautas progressistas, que visavam garantir e/ou conquistar direitos para melhorar a nossa condição de vida e a mudança do nosso sistema político em busca de um mais participativo. Desta forma, nós, enquanto socialistas revolucionários, devemos prestar solidariedade a estes militantes da esquerda, vendo-os como nossos companheiros e companheiras, defendendo-os publicamente sempre que necessário, já que a criminalização dos movimentos sociais costuma partir da grande imprensa ou do aparato repressivo do Estado.
Os ativistas que utilizam a tática Black Block se localizaram no campo da esquerda. Podemos fazer um debate se a tática deles para este momento está certa ou não, porém, não podemos negar a mentalidade progressista dos que compõem este movimento. Há uma leitura de classes sociais nítida em sua ação, onde eles buscam atacar a burguesia, que é encarada como a responsável pelas mazelas sociais existentes. De maneira geral, os jovens que promovem estes atos não acham que os ataques às vidraças de bancos e concessionárias automobilísticas vão por si só fazer o capitalismo definhar. Consideram que, ao atacarem os símbolos do capitalismo, podemos, de maneira simbólica, quebrar a visão ideológica acerca do papel destes agentes do capitalismo em nossa sociedade.
Olhamos de maneira diferente a quebra das vidraças dos bancos em junho, em meio a manifestações massivas, e as que ocorreram em julho e agosto em meio a mobilizações menores, já que as ações radicalizadas costumam ser mais apoiadas pela população quando condicionadas aos grandes protestos, e não em ações mais isoladas. De qualquer forma, mesmo as ações que ocorrem com número menor de manifestantes são respaldadas por um momento político favorável. Se não houvesse ascensão, não haveria tantas manifestações deste tipo.
A polêmica se coloca muito mais no campo da tática, por enquanto, pois a responsabilidade sobre a criminalização do movimento e as tentativas de jogá-los contra a opinião do restante da sociedade é de responsabilidade muito mais da imprensa burguesa e do Estado do que daqueles que optam por atacar os símbolos do capital através de ações diretas. É arriscado afirmar com precisão se a massa é a favor ou contra estas manifestações, assim como é difícil dizer que elas não contribuem para uma luta ideológica. Sim, diante de uma vida massacrante, da desigualdade social e de um Estado repressor, muitos passam a ponderar: “o que é uma vitrine quebrada para um banco que teve lucro às minhas custas?”. De qualquer forma, achar que temos certeza sobre o que o conjunto da classe trabalhadora pensa é muito arriscado, e por vezes até arrogante.
Massificar os protestos: Black Blocks devem ser encarados como aliados
Assim, avaliamos que, neste momento das mobilizações, deveríamos pensar em táticas para massificar novamente os protestos, o que tornaria maior a nossa possibilidade de vitórias concretas. Para isso é preciso encarar os ativistas que utilizam a tática Black Block como aliados, buscando um convívio saudável com este setor, e reafirmando que a nossa luta conjunta é contra o Estado, o Capital, a burguesia e seus governos. Se queremos que este setor atue em conjunto com as massas, assim como nós queremos, devemos trabalhar neste sentido. Ao contrário do que muitos vêm fazendo, incluindo a filósofa petista Marilena Chauí, que disse ver proximidade destes ativistas com o fascismo.
Acreditamos que o método mais radical de enfrentarmos o capitalismo é pela mobilização de ampla parcela da classe e do povo nas ruas. Isso não descarta a possibilidade de este povo organizado escolher utilizar métodos de ataques a símbolos do capital. Mas o que define as nossas possibilidades de realizar transformações não é o grau de “agressividade”, e sim o grau de mobilização da maioria da população contra a burguesia, o Estado e o capital.
Para a esquerda que não se pauta na autoconstrução como centro, não há problema em admitir que existam táticas e métodos diferentes no seio do movimento, ainda mais com as características amplas dos movimentos de junho, onde vemos uma juventude muito mais indignada do que organizada. Sim, é possível e necessário lutar pela unidade dos mais diversos setores que se colocam do mesmo lado da trincheira.
Tratar essa juventude como inimiga central é um erro crasso. Aliás, de maneira espontânea, talvez sem nem reivindicar como tática Black Block, várias manifestações com este perfil foram vistas pelo país, como a queima de pedágios na pequena Cosmópolis ou os usuários que colocaram fogo em vagões de trem no Rio de Janeiro, no dia 3 de setembro, revoltados com as péssimas condições, as falhas e o preço alto do transporte. Muitos argumentam: “ah, se vocês defendem a tática Black Block, por que não colocam sua militância para aplicá-la?”. Poderíamos retrucar com outra pergunta: “ah, mas se vocês criticam a tática Black Block, por que não colocam sua militância para enfrentá-la?”. Estas são retóricas que não ajudam muito o debate.
As dificuldades em torno à ideia de ‘direção’
A dificuldade em aceitar este tipo de tática talvez esteja reforçada pelo fato de que os atuais movimentos não contenham uma direção centralizada ou ao menos um fórum amplamente legitimado e democrático de debates para atuação unitária. É esta a situação que vemos em boa parte do país. Para desgosto de alguns, a direção do movimento não é construída a partir da auto-declaração como direção. E nem por atalhos midiáticos. Será preciso trabalhar para que estes espaços de direção sejam construídos ao longo do tempo, provavelmente anos, como fruto consistente dos mais amplos movimentos – e, de preferência, com bastante unidade entre a esquerda organizada. O desespero diante da ausência de uma única referência nacional de todos esses movimentos tem gerado ruídos entre a esquerda, pois, ao invés do investimento nos espaços auto-organizados do movimento, muitos se arriscam destemidamente para sua autoconstrução como prioridade – e isso reflete uma visão sectária de que essas organizações, são, em si, os únicos espaços legítimos de auto-organização.
Por parte do PSTU, por exemplo, vimos uma desproporcional inversão: de um lado, exaltam a unidade construída com a mais nefasta burocracia sindical do país – sem muitas cobranças estratégicas a estes setores, já que sua própria estratégia é legalizar a CSP-Conlutas como central; de outro lado, a ofensiva contra parcela da juventude que usa a tática Black Block.
No Chile, que se levantou pela juventude e pelo movimento estudantil, um grande setor optou por adotar táticas semelhantes à dos Black Blocks (assim como em diversos movimentos na história, como o maio de 68 na França). Este setor se faz presente na maior parte das mobilizações e soma uma parcela grande de ativistas. Hoje, o direitista presidente chileno Piñera quer aprovar uma Lei anti-encapuzados para criminalizá-los. Vê-se, muitas vezes, por lá, que até o pelego Partido Comunista Chileno sai em defesa destes jovens, contra a repressão. As movimentações de setores do movimento, do Estado e da mídia, que jogam água no moinho da separação entre esta juventude e os demais atores sociais, como se vê no Chile, contribuem para a criminalização desses ativistas. Aqui no Brasil, a burguesia tenta aprovar leis no mesmo sentido, como já acontece no Rio de Janeiro. Vamos defender o direito de se encapuzar ou vamos dizer que isso não nos diz respeito? Da nossa parte terão toda a solidariedade!
A ofensiva do Estado e da mídia
No dia 3 de setembro, a polícia carioca iniciou uma caçada a militantes apontados como adeptos da tática Black Block. A ação foi ainda pautada pela aprovação de uma lei que proíbe o uso de máscaras nas manifestações e a obrigatoriedade de que estes manifestantes se identifiquem.
A movimentação da burguesia é uma afronta ao conjunto dos movimentos sociais do país. A mesma lógica que se aplica cotidianamente nas periferias das cidades, quando os negros e negras são reprimidos e mortos por serem considerados suspeitos, passa a ser agora aplicada a um militante com rosto coberto, e respaldada pela lei!
Muitos dos que criticam as ações de quebra dos símbolos do capital o fazem sob argumentação de que há um erro na análise da correlação de forças por parte deste setor, já que eles deveriam estar mais cientes sobre o que o Estado e a mídia farão contra eles. Queremos inverter a lógica e chamar à reflexão: diante da repressão da mídia e do Estado, é preciso defender todas e todos que se colocam do mesmo lado da trincheira, indiferentemente de termos acordo integral com suas ideias e práticas.
Felipe Moda e Fábio Nassif são jornalistas.