segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A articulação da desigualdade e o Mensalão



A decisão final do STF pela prorrogação do julgamento do mensalão, decidida a partir do voto do ministro Celso de Melo na sessão de 18 de setembro, dará margem para numerosas interpretações e embates políticos. Como, aliás, vem ocorrendo desde que se instalou o tribunal para o julgamento do chamado Mensalão do PT, sob midiatização global que tem paralelo apenas na empreendida quando do impeachment de Collor de Mello.

Em um extremo desse acirrado embate encontra-se a grande mídia corporativa que, associada à classe média conservadora e aos representantes da direita mais tradicional, esforçou-se para transformar o tema em enorme espetáculo público. A opinião pública foi formatada para clamar pela punição dos corruptos, identificados nos líderes históricos petistas. É claro o objetivo de enxovalhar a origem operária e popular daquele partido, com a qual o mesmo e os acusados romperam, há anos.

Não é difícil adivinhar o que move aquele espectro político. A direita ideológica jamais se conformou com a chegada ao poder dos ex-representantes dos trabalhadores, de ex-guerrilheiros e de militantes sociais, mesmo quando se puseram a serviço do capital. A execração de membros de destaque dessa antiga militância permite a desconstrução de memória e tradição populares, as quais, há tempos, o PT e seus dirigentes traíram, para participar da gestão do poder econômico e político.

Em outra vertente, também extremada, estão aqueles que negam a existência do mensalão – ele teria sido mera criação da direita para golpear politicamente o PT. Hipótese hoje difícil de abraçar, sobretudo após o julgamento no STF, que comprovou, em forma indiscutível, a corrupção de deputados da base governista para o mais fácil apoio a medidas antipopulares, com destaque para a reforma da previdência dos funcionários públicos.

Não restam dúvidas quanto aos componentes conservadores e partidários que motivaram o julgamento. Registre-se que, bem antes dos mensaleiros petistas, tivemos seus precursores tucanos, assessorados pelo mesmo Marcos Valério, que somente foi midiatizado quando passou a assessorar a corrupção petista. Antes e paralelamente ao mensalão dos tucanos, tivemos a monumental privataria tucana, já destrinchada nas suas entranhas e até hoje pesando nos ombros da população.

Sobre essa corrupção oceânica, a grande mídia manteve e mantém silêncio e o STF se nega a se pronunciar. Ultimamente, tucanos foram pegos, outra vez, no escândalo do “propinoduto” do metrô paulista, para o qual o governador do estado mal disfarça a sua indisposição para uma efetiva investigação.

Os que almejam, no entanto, uma sociedade social e politicamente justa devem pensar além dessa estrutura binária apresentada pela mídia, que quase reduz a liquidação da corrupção à execração e envio à cadeia de petistas paradigmáticos pelos passados de luta, hoje traídos, enquanto favorece que oficiais responsáveis por crimes imprescritíveis, quando da ditadura, permaneçam intocados. Essa estrutura enrijece o olhar e o raciocínio, e não aponta saídas para realidades complexas.

No atual julgamento do mensalão do PT pelo STF, reconheceu-se acertadamente a vigência do direito de defesa, devido a todo e qualquer cidadão, com a aceitação dos ‘embargos infringentes’ – recurso corroborado juridicamente por ampla gama de profissionais do Direito, uma vez ilegal a condenação, em primeira instância, com escassa maioria simples entre os membros do júri. Essa não é, no entanto, a discussão principal.

O que está em jogo no Brasil é a democratização e superação do Estado que legitima, há séculos, a desigualdade e a violência social - e, consequentemente, a corrupção, forma ilegal emarginal de apropriação privada do trabalho da população, ao lado das formas legais e dominantes. Todas as instituições que constituem esse Estado servem, sem exceção, a essa lógica perversa, criada pela e para as classes dominantes, com suas leis, práticas econômicas e, logicamente, seu ritual jurídico.

Entre estas instituições, encontra-se o próprio STF, que tem contribuído historicamente para o não cumprimento de direitos sociais reconhecidos pela Constituição – trabalho, educação, saúde, segurança, reforma agrária etc. Assim como tem impedido o reconhecimento de direitos civis democráticos indispensáveis à dignidade social.

Não sabemos ainda quais serão os desdobramentos, jurídicos, políticos e sociais, da continuidade do julgamento do mensalão petista. Nem qual será o investimento realizado pela grande mídia, partido estratégico dos grandes interesses nacionais e internacionais no Brasil. Certo é que, sejam quais forem esses desdobramentos, seriam bem melhor conduzidos se acompanhados pela inclemência popular não somente face aos espetáculos midiáticos e jurídicos, mas aos clamores por se apiedar frente a qualquer tipo de corrupção, venha de que partido vier, e qualquer que seja a sua coloração política.