Por Gilberto Scofield
O Rio recuou nas tarifas de ônibus, e o prefeito Eduardo Paes foi logo dizendo que os recursos a serem usados para compensar o aumento não dado terão de sair do orçamento municipal, o que irá irá comprometer os investimentos públicos. No dia do anúncio, Paes calculou que o Rio gastaria R$ 200 milhões no primeiro ano e R$ 500 milhões no segundo com o subsídio. Na manhã seguinte, ele mesmo refez a conta para R$ 100 milhões e R$ 200 milhões.
LEO MARTINS / O GLOBO
Muita gente ficou sem entender as cifras tão diferentes, mas a razão do disparate nos cálculos é simples: as planilhas de custos das empresas de ônibus do Rio, base para o cálculo das tarifas, são uma caixa-preta. Ao contrário de São Paulo, onde receitas e despesas do setor são controladas pela prefeitura, no Rio é a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado (Fetranspor) e a Rio Ônibus que repassam à prefeitura e aos clientes do vale-transporte os números do setor. Em SP, fala-se que as empresas têm um lucro de 7% do valor arrecadado com as tarifas. No Rio, ninguém tem ideia e ninguém dá a menor satisfação, apesar de o transporte de ônibus ser uma concessão pública.
Toda essa discussão ignora o óbvio: os serviços de ônibus no Rio são ruins e não parece haver uma pressão governamental sobre as empresas. Motoristas sobrecarregados por jornadas insanas de trabalho dirigem feito loucos assassinos. Os ônibus são incapazes de obedecer a horários e trafegam sempre lotados. Ônibus quebrados são coisa comum nas ruas da cidade. Os ônibus não param nos pontos ou param em qualquer lugar. Os veículos são multados, mas uma lei permite que a empresa não dê nome ao motorista infrator e pague uma multa para se livrar do pepino.
Eduardo Paes alega que o valor das tarifas é fixado em contrato com reajustes anuais (por uma equação trigonométrica de 12 variantes que é quase uma fórmula físico-química). Ok, mas isso não impede regulação e transparência, impede? Durante toda a crise das passagens, com o povo na rua pedindo a redução de preços, a Fetranspor ficou calada, como se o problema não lhe dissesse respeito. E como se fosse só um problema de valores, quando todo o serviço de ônibus é pavoroso no Rio.
Segundo o repórter Luiz Ernesto Magalhães, a Fetranspor contratou a agência Prole — que presta serviços para o governo do estado e para a prefeitura em publicidade e propaganda — como consultora de comunicação e imagem, fato confirmado pelo presidente da entidade, Lelis Marcus Teixeira. Como se o problema da entidade fosse de comunicação ou imagem. Não é. O problema da Fetranspor é o serviço ruim prestado pelas empresas que a compõem. Por que a Fetranspor não vem a público dizer como podem contribuir para melhorar o serviço?
O prefeito precisa de autorização da Câmara dos Vereadores para transferir subsídios para as empresas de ônibus. A julgar pelo apoio inconteste que recebe dos vereadores, não terá maiores problemas. Mas aí está um outro vício da política carioca que só prejudica os usuários de ônibus. Com exceção de uma meia dúzia de abnegados, os vereadores cariocas não fiscalizam o transporte público da cidade. Todas as tentativas de se enquadrar as empresas de ônibus são barradas ainda na Comissão Permanente de Transportes e Trânsito da Câmara, que abre espaço para a apresentação de emendas e tira os projetos, indefinidamente, da fila de votações. Recentemente, descobriu-se que as empresas de ônibus emprestam veículos para “ações sociais” de vereadores e estes não veem conflito algum nisso.
A Comissão de Transportes é composta hoje pelo vereador Sebastião Ferraz (PMDB, o presidente), Elton Babu (PT, o vice) e Marcelino D’Almeida (PSB, o vogal). O primeiro recebeu contribuições de empresas de transporte em sua malsucedida campanha para deputado estadual. É autor de uma inacreditável declaração na defesa dos motoristas de ônibus, comparados ao cidadão comum, que “bebe, fuma, cheira, bate na mulher e tem três mulheres”. Os dois últimos são lideranças da Zona Oeste, um pedaço do Rio de indicadores sociais vergonhosos e em permanente conflito de segurança com milícias.
Na véspera do quebra-quebra na Presidente Vargas e com 300 mil cariocas na rua, a Câmara aprovou um importantíssimo projeto de lei, de autoria do vereador Dr. João Ricardo, que declara cidades irmãs o Rio e Kaohsiung, na Ilha de Taiwan. Depois, a sessão caiu por falta de quórum. De quórum. Não de vergonha.