Pesca em Niterói sofre com despejo de material de dragagem
Ministério Público questiona autorização do Inea para descarte de sedimentos a 15km de Itaipu
EMANUEL ALENCAR
Pescadores. O lodo entra nas tocas afugenta espécies de peixes Gustavo Stephan / Agência O Globo
RIO - Todos os dias, balsas percorrem a Baía de Guanabara abarrotadas de uma pasta acinzentada e fedorenta. Na costa de Niterói, a quase 15 quilômetros da Praia de Itaipu, o comandante da embarcação abre enormes comportas, e o material é o despejado lentamente, turvando as águas. Resultado do reaquecimento das atividades navais do Rio, os sedimentos de dragagens na Baía de Guanabara são objeto de uma ruidosa polêmica. De acordo com o Ministério Público (MP) estadual, a nova área licenciada para descarte do material coincide com um sítio pesqueiro. Uma investigação conduzida por promotores do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) questiona o monitoramento das embarcações e cobra a conclusão de estudos ambientais. A Secretaria estadual do Ambiente, por sua vez, garante que a área recém-licenciada não traz impactos significativos ao meio ambiente.
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Nos últimos oito anos anos, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) avalizou o descarte do equivalente a três Maracanãs cheios — 8,48 milhões de metros cúbicos de lodo de dragagens, de 13 projetos — em dois pontos do mar de Niterói. No entanto, ambas as coordenadas autorizadas, chamadas de C e D, foram consideradas ambientalmente inapropriadas depois que ambientalistas apontaram riscos ao Monumento das Ilhas Cagarras. Hoje, a discussão se refere ao entorno de um novo ponto, o F, autorizado no início do mês para descarte de uma dragagem do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), da Petrobras.
“Lixo no nosso quintal”
Pescador da colônia Z-7, em Itaipu, Paulo Roberto de Freitas, de 50 anos, conta que no local são capturados cações, corvinas e pargos.
— Estão jogando lixo no nosso quintal. O lodo entra nas tocas, afugenta espécies de peixes. No ano passado, eu perdi três redes por causa do acúmulo de lixo. Ninguém é contra dragagem. Mas jogar o material em área pesqueira não é razoável — critica.
A necessidade de dar mais navegabilidade à Baía de Guanabara, além da construção de píeres, fará com que mais quatro milhões de metros cúbicos de sedimentos ainda sejam dragados. A Secretaria Especial de Portos (SEP), vinculada à Presidência da República, informou que está em curso uma dragagem emergencial, de 250 mil metros cúbicos, autorizada pelo Inea. O material também vai para o ponto F. Ainda segundo a SEP, a draga é “continuamente monitorada por transponder” e técnicos a bordo. A dragagem mais ampla necessita de estudos.
— A situação é muito preocupante. Precisamos de um plano diretor de dragagem na Baía de Guanabara, estabelecendo diretrizes para os próximos 40 anos — afirma o vice-prefeito de Niterói, Axel Grael.
Há um ano, a Petrobras e outras empresas que atuam na Baía de Guanabara contrataram a Interdraga Consultoria e Serviços de Dragagem, para fazer um estudo detalhado sobre os impactos do despejo dos sedimentos no mar. Esse estudo, chamado avaliação ambiental integrada (AAI), ainda não foi concluído. O promotor José Alexandre Mota diz que há uma série de questões ainda sem resposta:
— Queremos saber se o F é o ponto ambientalmente mais viável. Onde estão os estudos de alternativa de local? Pedimos também todas as licenças e o cronograma de descarte, bem como o estudo de impacto socioeconômico.
Procurada pelo GLOBO, a Petrobras informou que não se pronunciaria sobre o assunto. Também não forneceu a quantidade de material despejado diariamente no ponto F.
Secretaria nega impactos
O subsecretário estadual do Ambiente, Luiz Firmino Pereira, esclarece que a escolha do novo ponto foi feita após estudos de dispersão, que demonstraram que o sedimento “não corre o risco de atingir área costeira ou as ilhas”:
— O fundo foi vistoriado e asseguramos a não existência de parcéis (áreas de abrigos de peixes) e lajes. A escolha do ponto F foi discutida com o Subcomitê de Bacia da Baía da Guanabara e pescadores.
O mergulhador Otto Sobral, porém, diz que há denúncias de pescadores de que as balsas licenciadas jogam parte do material fora do ponto F.
Em parceria com uma universidade, o Porto de Rio Grande, a 317km de Porto Alegre, desenvolve um projeto para transformar a matéria orgânica dos sedimentos em energia, aproveitando o trabalho natural feito por micro-organismos. A areia descontaminada seria reaproveitada na construção civil. O programa passa por testes laboratoriais. Já foram investidos R$ 600 mil. Atualmente, o material de dragagem do porto gaúcho é despejado no mar, a 31km do terminal.