A Guerra da Síria: petróleo e não democracia, eis a questão
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 260 da Revista Somos Assim
Apesar de parecer distante e insignificante para o nosso cotidiano, a guerra civil que ocorre na Síria mereceria um tratamento menos linear da imprensa corporativa brasileira. Afinal, até aqui o que temos tido é uma ação que se resigna a ecoar notícias produzidas pela mídia dos países que estão mais uma vez alimentando um conflito interno num país árabe. E não faz muito tempo, a bola da vez era a Líbia, cujo presidente/ditador foi assassinado a sangue frio por milícias que receberam sua localização diretamente das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Aliás, o que poucos estão falando é que após a vitória da “revolução”, a Líbia está passando por um processo agudo de perseguição às minorias étnicas e religiosas. O caso mais recente foi o da destruição de um dos principais templos da seita “Sufi” que é considerada como herege pelos radicais islâmicos que controlam partes de cidades líbias. Neste caso, fica claro que o “ditador” Muammar Kadhafi era mais tolerante com minorias religiosas do que os “revolucionários” colocados no poder com o apoio das grandes potências.
Mas, em vez de apresentar a situação catastrófica que foi gerada na Líbia pelo apoio da OTAN, com autorização da ONU, diga-se de passagem, a imprensa corporativa prefere nos manter com uma visão unilateral do processo sírio. Que Bashar Al-Assad não é um democrata, todos concordam. Agora, tampouco os reis e emires da Arábia Saudita e do Qatar que estão financiando os rebeldes sírios o são. Além disso, o que dizer dos países da OTAN que também estão financiando e despejando armas e apoio logístico para as forças que lutam contra o regime sírio? Eles também não têm uma folha corrida das melhores quando se trata de respeitar o direito de povos de países sob sua influência de decidirem seus próprios destinos. O exemplo mais recente disto foi o golpe de estado ocorrido no Paraguai, quando o Departamento de Estado dos EUA foi o primeiro a apoiar a remoção de um presidente democraticamente eleito pelo povo paraguaio.
Em termos desta contradição entre discurso e prática, basta apenas pensar na escandalosa situação do australiano Julian Assange, fundador e líder do site Wikileaks, que está abrigado no interior da embaixada do Equador em Londres para escapar de uma extradição para a Suécia, país que seria apenas um intermediário de uma extradição para os EUA, que querem sua cabeça por causa da divulgação de documentos secretos norte-americanos. A verdade é que a imensa maioria da mídia sequer toca nas evidências de que os suecos estão apenas atuando como atravessadores dos interesses norte-americanos.
Mas mais do que contradição entre discurso pró-democracia e ações autoritárias, o que realmente remove qualquer autoridade moral da OTAN e de seus satélites no Oriente Médio no que está acontecendo na Síria é que esta é apenas um peão num jogo de xadrez bem mais complexo. O verdadeiro alvo não é o regime de Bashar Al-Assad, mas o dos aiatolás que governam o Irã. E mais uma vez não há nada de democrático nas aspirações evidentes por uma troca de regime em Teerã. A coisa, mais uma vez, é muito menos idealista. A verdade nua e crua é que o objetivo final deste intrincado processo é o controle das gigantescas jazidas de petróleo que existem no Irã. Assim, o problema não é democracia, o problema é petróleo, e qualquer outro discurso é mero diversionismo em relação a este pequeno segredo da geopolítica mundial. O mais trágico disto tudo é que enquanto o tabuleiro da geopolítica do petróleo é reorganizado à bala, centenas de milhares de pessoas são expulsas de suas casas, e outras tantas são assassinadas a sangue frio, seja pelas forças governamentais ou por aquelas lideradas pelos “revolucionários” financiados pelos interessados em aumentar seu acesso às riquezas geradas pela indústria petrolífera.
Mas o que temos a ver com isto? Afinal de contas, não estamos no Oriente Médio e nem vivemos sob o mesmo tipo de tensão que os países árabes vivem há muitos séculos. O que ninguém pode esquecer é que a próxima fronteira do petróleo está dentro das águas territoriais brasileiras, mais precisamente na camada Pré-Sal. Assim, é melhor que ninguém fique se iludindo acerca da suposta inviolabilidade do Brasil num contexto de disputa geopolítica que continua sendo decidida por quem tem os maiores canhões. Se ao final e ao cabo de todas as tentativas em controlar o petróleo árabe falharem, ninguém deverá ficar surpreso se nos tornássemos a bola da vez. Aliás, é só olhar as contínuas pressões que são feitas contra o governo de Hugo Chávez para se saber que democracia é uma bela desculpa sempre que se tenta remover um governante minimamente autônomo, seja por eleições ou por golpes de estado. A fórmula usada é a que menos interessa neste tipo de situação.
E novamente é preciso lembrar que nesta guerra de fatos e versões sobre o que acontece na Síria, a primeira vítima sempre será a verdade. Afinal, o que importa mesmo é o petróleo, nem que esteja encharcado de sangue.