sábado, 2 de fevereiro de 2013

Carlos Rezende responde questões sobre a resposta do governo Cabral à salinização no Açu



Carlos Eduardo Rezende, LCA/UENF. Fonte: ururau.com.br

Em face da reconhecimento oficial e das medidas adotadas para conter o processo de salinização causada pelas obras do Porto do Açu, o blog procurou novamente o Prof. Carlos Rezende do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense para verificar a reação do pesquisador.

As respostas que seguem abaixo colocam em xeque não apenas as medidas que já foram anunciadas, mas também o escopo que a versão oficial apresentada por Carlos Minc procura situar o problema.

Assim sendo, a leitura desta entrevista deverá ser elucidativa em vários aspectos e merece ser feita de maneira bastante cuidadosa.


Blog do Pedlowski (BP): Novamente estamos lhe procurando para dar continuidade ao assunto que tem atraído atenção na região, a salinização provocada por ações diretas do empreendimento das empresas X. O que o senhor achou da multa imposta pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Instituto Estadual do Ambiente? 

CER: Sinceramente, não sei como chegaram aos valores que foram divulgados ontem, pois até hoje não houve uma avaliação da área total afetada em decorrência do escoamento da água salgada proveniente do aterro hidráulico. Aliás, eu também não sei qual foi o volume que potencialmente atingiu a região e tudo isto deveria estar sendo utilizado para as medidas compensatórias. Então, fica muito difícil fazer qualquer consideração sobre estes valores divulgados pelo Secretário e a Presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), pois desconheço a metodologia que eles utilizaram para chegar a este valor. 

BP: O senhor e a professora Marina Suzuki têm realizado este estudo com algum tipo de apoio institucional ou do governo? 

CER: Na realidade após termos sido procurado pela estudante que levou a primeira amostra de água do pequeno produtor rural, começamos a fazer todos os estudos com recursos próprios e da infraestrutura disponível no Laboratório de Ciências Ambientais (LCA). Cabe ressaltar que temos recebido total apoio dos nossos estudantes que tem sido profissionais incansáveis nas atividades de campo e laboratório. Aliás, me causou surpresa a Presidente do INEA falar que a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) juntamente com o INEA irão estabelecer parâmetros compensatórios para os pequenos produtores rurais, pois jamais fomos contatados por qualquer profissional do INEA local ou do Rio de Janeiro. No entanto, estamos disponíveis para tratar qualquer questão ambiental desde que tenhamos total autonomia sobre o tema. Aliás, não sei dizer se a UENF foi contatada através da administração central, porém o fato concreto é que nós do Laboratório de Ciências Ambientais não fomos contatados por profissionais do INEA em nenhum momento ao longo de todo este processo. 

BP: Neste momento quais seriam suas considerações sobre este processo em curso? 

CER: Eu vejo que seria fundamental que tivéssemos antes de qualquer tipo de ação um diagnóstico claro e objetivo das áreas afetadas por este evento. Aparentemente agora querem reduzir este problema ao Canal do Quitingute, enquanto na verdade temos que realizar um levantamento preciso da dispersão da pluma salina ao longo da região, pois sabemos que as águas salinas chegaram a terras que vem sendo utilizadas pelos pequenos produtores rurais. Inclusive neste momento, esta questão fica um tanto ou quanto mascarada devido ao elevado índice pluviométrico e, por outro lado, também serve como um agente dispersor para áreas que não foram inicialmente afetadas diretamente pelo evento. Neste sentido, deveríamos considerar a implantação de uma força tarefa para fazer um acompanhamento ao longo 2 ou 3 anos, até mesmo porque, estão fazendo um grande canal de navegação para dentro do continente que precisa ser acompanhado e a malha de amostragem devidamente discutida. 

BP: Mudando rapidamente de assunto, e a questão da água proveniente dos poços? 

CER: Na realidade medimos um poço que foi perfurado sob a responsabilidade da Prefeitura de São João da Barra, esta é a informação que possuo neste momento, assim como, que este poço estaria dentro deste aqüífero. Este é um ponto realmente delicado que acabou ficando esquecido em toda esta discussão, mas eu reafirmo que a água possui elevada condutividade elétrica (~700µS/cm) inadequada inclusive para irrigação, onde norma da EMBRAPA estabelece um valor de 300µS/cm como nível adequado para uso agrícola. Portanto, se uma determinada água é inadequada para irrigação, consequentemente é inadequada para consumo humano. O fato da Portaria 2.914 de 12 de dezembro de 2011 não considerar a condutividade como um parâmetro a ser medido é uma questão também muito séria e deveria ser revista com máxima urgência, pois esta medida é simples e poderia simplificar muito programas de monitoramentos da qualidade das águas. Agora, a condutividade elétrica é uma medida que expressa a quantidade total de cátions (íons positivos) e ânions (íons negativos) e sua correlação é positiva com as concentrações destes íons. Portanto, quanto maior a concentração, maior será a condutividade elétrica. Inclusive, a portaria supracitada estabelece no seu Art. 12o e inciso I que a vigilância da qualidade da água é de competência das Secretarias Municipais de Saúde, e garantir informações à população (inciso VI) é uma questão fundamental neste processo. 

Blog: O senhor teria alguma recomendação neste momento sobre a questão da qualidade das águas? 

CER: Em síntese, como a portaria prevê uma série de parâmetros que devem ser medidos sistematicamente e com diferentes escalas de frequência, o Município ou as empresas responsáveis pelo fornecimento de água para população deveriam possuir um sistema de informações sistematizadas e acessíveis a toda população. Assim, poderiam mostrar que estão comprometidos com a qualidade da água, deixando os resultados franqueado a todos os consumidores finais. Afinal, água é saúde, e a água, sobretudo é um bem coletivo que deve ser tratado como tal e não como um objeto privado e fechado em um cofre onde poucos possuem informações básicas sobre um bem tão importante no nosso dia a dia. A qualidade das águas consumidas pela população precisa ser acessível por todos os consumidores. Assim, em lugares onde as águas são fornecidas gratuitamente, deveríamos ter uma placa mostrando os resultados para vários parâmetros assim como os responsáveis pelas medidas; onde pagamos mensalmente pela água, deveríamos ter junto das contas mensais, a listagem de alguns parâmetros demonstrando a qualidade da água. 

Mais uma vez agradeço ao espaço e estou à disposição para continuarmos este diálogo, pois tenho certeza que seu blog tem prestado um inestimável serviço à população.