Como informado em diferentes postagens (Aqui!) e (Aqui!), a ASPRIM, através de sua assessoria jurídica obteve um liminar na Justiça Federal de Campos que traz importantes desdobramentos sobre a disputa judicial que envolve de um lado o Grupo EBX e as diferentes empresas que compõem a franquia "X", o governo do Rio de Janeiro e o IBAMA, e de outro a ASPRIM no tocante aos impactos sociais e ambientais que estão sendo causados pela construção do Complexo Industrial-Portuário do Açu.
Para melhor informar o estado desta disputa judicial, o Blog do Pedlowski solicitou uma entrevista com o procurador da ASPRIM, Cristiano Pacheco, que se dispôs prontamente a responder as perguntas que lhe foram enviadas.
Abaixo seguem as respostas em sua totalidade. Além de respostas minuciosas, o advogado Cristiano Pacheco mostra em detalhe as implicações jurídicas das graves violações ambientais e sociais que estão ocorrendo no V Distrito de São João da Barra.
Boa leitura!
O senhor como assessor jurídico da ASPRIM vem trabalhando numa série de ações judiciais relativas aos danos sociais e ambientais da construção do Complexo Portuário-Industrial do Açu. Em sua opinião, quais são as violações mais graves que foram cometidas pelo Grupo EBX tanto em relação aos direitos dos agricultores e pescadores, como na degradação do ambiente no processo de construção deste complexo?
A instalação do empreendimento envolve grande complexidade. Para que a ASPRIM, minha cliente, pudesse impugnar a totalidade dos pontos do licenciamento, um a um, teria sido necessário uma equipe técnica e jurídica. Estamos em evidente desvantagem. Com pouco tempo e recursos, foi preciso concentrar a defesa nos pontos mais problemáticos das obras e licenças.
O Estudo de Impacto Ambiental - EIA apresentado pelas empresas é todo fragmentado, o que dificulta bastante considerando o porte do empreendimento e a área locacional – considerada de alto risco ambiental – assim como os onze diferentes tipos de atividades e impactos anunciados.
O parecer da Associação dos Geógrafos do Brasil – AGB, anexado ao processo, foi importante e trouxe amplo respaldo técnico. Tornou possível focar os aspectos mais graves, a exemplo a dragagem de areia do calado marinho da OSX e a supressão da restinga, para depois localizá-los no EIA.
As desapropriações são um problema gravíssimo e merecem tratamento à parte. A ASPRIM tem imagens da atuação da Polícia Militar e seguranças privados agindo com truculência contra famílias e idosos do 5° Distrito. O Procurador da República Dr. Eduardo Santos, do MPF de Campos, instaurou inquérito para investigar a atuação de milícias que supostamente estariam agindo como facilitadoras dessas desapropriações. O inquérito tramita desde dezembro de 2011 no MPF e teve repercussão em diversos jornais de grande circulação como a Folha de São Paulo.
O Estudo de Impacto ambiental é bastante confuso. As empresas entrelaçam responsabilidades, impactos ambientais, atividades produtivas e participações. Isso dificulta identificar os impactos, seus partícipes, extensão, possíveis danos e responsáveis.
O processo judicial está recém iniciando. Vale lembrar a ASPRIM não é contra o empreendimento, mas sim contra a forma que está sendo instalado, com informação insuficiente sobre os riscos, danos e até mesmo porte do investimento.
A OSX já tentou se instalar da mesma forma temerária em Biguaçu, cidade vizinha a Florianópolis, SC, mas rapidamente desistiu, mesmo sem a necessidade de ação judicial, diante da forte articulação envolvendo a ONG Montanha Viva, professores universitários, técnicos, pescadores, maricultores, advogados, estudantes, empresários do turismo e até crianças. Em Florianópolis ainda tramita um Inquérito Criminal contra a empresa de consultoria ambiental que realizou o EIA.
Eis um ponto importante: algumas empresas desistiram ou anunciaram a desistência do empreendimento, outras tiveram suas licenças ambientais cassadas. A Wisco e Térnuim estão, respectivamente, nessa situação. As duas juntas, em termos de área locacional, representam boa parte da área total a ser instalado o empreendimento. Considerando que ocorra isso, o licenciamento ambiental teria que ser refeito, pois o impacto do projeto se transformaria em outro bem diferente, assim como os danos envolvidos. Outras empresas precisariam ocupar o lugar de empresas eventualmente desistentes e é claro que assim estaríamos falando de um novo empreendimento e um novo impacto, bem diferente do anunciado.
O segundo ponto importante: sobrando área locacional dentro no Distrito Industrial, haveria então a necessidade de novas desapropriações? Pelo que a ASPRIM foi informada elas continuam acontecendo.
E caso se confirmem as desistências, as área desapropriadas ociosas ao projeto serão devolvidas ao expropriados? E o interesse público que justificou as desapropriações, continuaria configurado? E o tamanho da área do empreendimento continua sendo a mesma anunciada ao mercado, investidores e bolsa de valores, há um ano atrás?
A lista de desapropriações que o CODIN ainda pretende efetuar e já efetuou é um documento que está sendo requerido judicialmente, por liminar, já que o CODIN se nega a fornecer, o que é legalmente obrigatório.
O licenciamento é em grande parte pró forma. Os estudos, devidamente fragmentados, descrevem e relatam a restinga, lagoas, biomas e cenários da região (aliás belíssimos!). Ocorre que descrever não basta. O EIA esclarece muito pouco a comunidade sobre os impactos ambientais envolvidos, para o presente e para as futuras gerações. Ao nosso entender isso é ilegal, pois fere a Resolução 237 do CONAMA e a Constituição Federal. O licenciamento não está justificando sua existência nem cumprindo seu principal papel que é informar, esclarecer. Deixar de informar ou informar mal, ambas situações ferem o princípio da publicidade.
O caso é complexo, há inúmeras situações graves e muitas pessoas insatisfeitas e frustradas, desde famílias que estão perdendo suas casas e terras, pessoas que foram iludidas por promessas de emprego, algumas até gastaram dinheiro em capacitações profissionais. Agora empresas que se instalariam no Distrito Industrial ameaçam sair ou tiveram licenças ambientais suspensas. Investidores estão insatisfeitos atrasos nas obras, como é o caso dos chineses.
A falta de clareza e informação no procedimento administrativo, em um empreendimento dessa magnitude, a nosso entender, é uma situação que precisa ser muito bem esclarecida. Talvez a Audiência Pública ajude a diminuir a pressão gerada pelas dúvidas, mas se não houver esclarecimentos, o conflito certamente aumentará. Vai depender da pró atividade e da flexibilidade dos lados envolvidos, assim como do interesse ou não em mediar o que já e chamado de crise.
Em Florianópolis a OSX subestimou a sociedade organizada e foi surpreendida por coberturas on line via twitter das Audiências Públicas, com milhares de pessoas participando e postando nas redes sociais. Técnicos e advogados visivelmente nervosos não conseguiram convencer sobre a solidez do Estaleiro da OSX.
O que fica claro para mim, como especialista em Direito Ambiental, professor e consultor, é que há um inegável vácuo entre os folders de divulgação do empreendimento e o que ele se transformou hoje. Há cinco ações civis públicas em curso movidas pelo MPF/RJ, MPF/MG, MPE/RJ, ASPRIM, Instituto Justiça Ambiental – IJA e outras.
Já no licenciamento parece haver um fosso entre a falta de informação, que é obrigatória, e os impactos sinérgicos. Nem o MPF nem ninguém da comunidade ou técnico local conhece bem o atual tamanho do empreendimento. Isso é curioso para um município pequeno como São João da Barra, e comprova a falibilidade do EIA e das licenças.
Em uma decisão recente o juiz federal Dr. Vinicius Vieira Indarte determinou que a OSX se abstivesse de suprimir a vegetação de restinga localizada em áreas de preservação permanente sob pena de multa diária de R$ 100.000,00. Em sua opinião, qual é o efeito prático dessa decisão?
A decisão do magistrado criou obstáculo para que as obras da Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú) avancem sobre a área de restinga, de fundamental função ecológica. A vegetação de restinga é constitucionalmente protegida e garante a fixação de dunas, impede erosões praiais, protege contra ressacas, regula a movimentação de sedimentos, abriga inúmeras espécies de animais, algumas em risco de extinção, dentre muitas outras funções.
Será verificado in loco com a presença de técnicos, para apontar em que medida as dragagens até hoje feitas para a abertura do calado marinho da OSX causaram a supressão de restinga, assim como a possível influência das dragagens e supressão de vegetação para no aumento da salinização.
A decisão do magistrado foi sábia determinando a auditoria do IBAMA no que se refere ao licenciamento feito pelo INEA e impactos na área de restinga.
A ASPRIM também iniciará um levantamento dos danos ambientais irreversíveis, que devem ser futuramente indenizados no corpo da ação judicial em trânsito ou em novas ações civis públicas indenizatórias, assim como por meio de ações ordinárias por danos morais ambientais individuais, iguais aquelas ingressadas por pescadores contra a Petrobrás em um derrame em 2001, em Duque de Caxias, RJ.
Conforme informa a OSX no EIA, a Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú) se instalaria numa área de aproximadamente 940 hectares, dentro da area do Distrito Industrial. Ocorre que 46% dessa área destinada a Unidade Naval, conforme informa o Parecer da AGB, é de restinga. Sendo assim, é possível concluir que a decisão judicial proferida pelo Juiz Federal Dr. Vinícius Vieira Indarte limitou significativamente a área disponível para instalação da UCN, o que deve causar obstáculos para a obra.
É um pouco frustrante o fato de que as liminares formuladas pela ASPRIM demoraram um ano para serem julgadas, em meio a burocracia processual. Isso proporcionou tempo suficiente para que as obras avançassem, os danos irreversíveis ocorressem, assim como houvesse o corte de restinga e o início da salinização nas lagoas e corpos hídricos.
O cálculo dos impactos, se fossem feitos, ultrapassaria bilhões de reais, levando em conta cálculo ecossistêmico recente feito para a abertura de um pequeno calado para entrada de lanchas de pequeno porte, em um rio poluído aqui de Porto Alegre (Rio Guaíba). O cálculo ultrapassou R$ 60 milhões.
Essas externalidades precisam constar na conta do empreendimento, até mesmo para a verficação da viabilidade econômica do empreendimento. O empreendedor colhe o bônus mas também é obrigado arcar com o ônus.
O que o senhor espera como resultado da Audiência Pública que deverá ser realizada pelo Ministério Público Federal em março para tratar dos problemas ocorrendo no V Distrito de São João da Barra?
Creio que a Audiência Pública solicitada pelo Procurador da República Dr. Eduardo Santos será importante no processo. Esses eventos são o momento máximo de participação da sociedade civil. Promovem amadurecimento das comunidades e das as empresas também.
Será fundamental que não só a ASPRIM, Instituto Justiça Ambiental - IJA e demais associações envolvidas participem ativamente, mas sim todos os afetados, direta e indiretamente. É preciso que haja articulação e estratégia para que esse momento não seja desperdiçado, mas sim otimizado. É a hora que a ASPRIM e comunidade local terão para impor limites, aceitar ou não negociações, e exigir providências.
Ainda há muito pela frente. As liminares da nova ação movida pela ASPRIM contra a Companhia de Desenvolvimento Industrial – CODIN ainda não foram julgadas. A Companhia vem negando desde abril do ano passado o fornecimento de documentos que tratam das desapropriações, sem justificativa alguma.
O senhor deve ter acompanhado a manifestação pública do secretário estadual do ambiente do Rio de Janeiro em relação ao problema da salinização causada pelo Grupo EBX. Como o senhor vê a estipulação das multas que foram aplicadas pelo governo do Rio de Janeiro, especialmente à luz do fato de que ainda não se foi medido o dano total que este processo pode estar causando ao ambiente e aos agricultores do V Distrito de São João da Barra?
Aplicação de multa e indenização por danos ambientais acontece em duas searas independentes. A empresa pode ser multada em R$ 50 milhões na via administrativa e na judicial ser condenada a uma indenização de R$ 10 bilhões por danos, por exemplo. O valor da multa e da indenização são cumulativos e não podem ser compensados, possuem naturezas geradoras diferentes.
A experiência tem mostrado que dificilmente essas multas são pagas, e quando são pagas, a lei permite, por meio do processo administrativo, uma diminuição de até 90%.
Não acredito nos efeitos pedagógicos da prisão por crime ambiental. É muito pior para o empresário pagar uma indenização milionária, ou ainda ver sua marca (logotipo) atingida junto a consumidores e bolsa de valores. É raro alguém ser preso no Brasil por crime ambiental. Ser preso não produz efeito transformador de conduta. Enquanto for barato produzir por meio de cadeias produtivas ilegais o meio ambiente continuará sendo destruído, tanto pelas mãos de algumas comunidades indígenas amazônicas - que também compõe a cadeia produtiva ilegal da madeira - quanto pelas empresas que produzem móveis, pisos e MDF com madeira de lá proveniente. É hora de avançar e responsabilizar todos os envolvidos, até mesmo as instituições financeiras que financiam essas empresas. É preciso maior protagonismo do Ministério Público e associações civis para fazer valer a lei 6.938/81, que prevê a responsabilidade por participação no dano ao ambiente.
Foge um pouco do tema mas a reflexão é pertinente. As pessoas demonizam por exemplo o capitalismo, como se fosse o grande responsável pelas mazelas ambientais e da humanidade. Penso que é hora de pensar em novas alternativas, onde a responsabilidade pela proteção do ambiente seja compartilhada entre o Estado, sociedade civil e setor privado. É preciso que a proteção dos recursos naturais se transforme em obrigação, por meio de algum retorno. O Estado já provou sua incompetência como monopolizador da proteção da natureza. Penso ser errado culpar o capitalismo, até mesmo porque a história demonstra que o homem nada fez ou faz sem uma contrapartida, sem uma recompensa econômica. Por isso acho perda de tempo culpar os sistemas. O problema são as pessoas.
O filósofo suíço Arthur Lyon Dahl, que fala no distanciamento entre ecologia e economia. Nos dias atuais podemos dizer que as disciplinas trilham caminhos opostos. A própria Presidenta do Brasil afirmou em evento internacional que a “sustentabilidade é um impasse ao desenvolvimento econômico do Pais”.
Mesmo que contraditório a algumas convicções morais - no momento que se criar uma recompensa financeira que faça valer à pena “mesmo” cuidar dos bens ambientais, talvez assim comecemos, como diz Dahl, a encurtar o fosso entre ecologia e economia. Penso ser melhor tentar algo novo do que insistir em um formato de tutela ambiental que no põe em risco e já provou sua ineficiência.
Em sua opinião, a atual situação do empreendimento ainda justifica o uso do interesse público para justificar a desapropriação de centenas de famílias de agricultores e pescadores no V Distrito de São João da Barra?
O interesse público deveria significar beneficio à sociedade, ao coletivo, ou a um grupo de pessoas. Não acredito que o Pré-Sal vá beneficiar a coletividade, muito menos a comunidade de São João da Barra. Nos parece claro que as grandes beneficiadas do Pré-Sal serão mesmo as grandes petroleiras, especialmente as norteamericanas que ditam as regras de mercado.
O que se tem visto é muita pirotecnia e especulação na bolsa de valores e mercado imobiliário. São João da Barra é vítima desse estilo de mercado líquido, que infla e desinfla, promete mas não cumpre, e que tem muito a ver com interesse privado, quase nada com interesse público.
É claro que o mercado todo está aquecido, movimentando o setor portuário, naval, novos estaleiros e infraestrutura. Mas talvez o baluarte em torno do Pré-Sal não corresponda às expectativas geradas na maioria das pessoas. Não acredito em lucro compartilhado no setor do petróleo. Fosse assim o norte fluminense seria os Emirados Árabes do Brasil.