Abaixo vai um interessante artigo assinado por Fernando Dantas e publicado no "O ESTADO DE SÃO PAULO" acerca da relação íntima de Jorge Paulo Lemann (o mais novo queridinho das elites nacionais que é agora apresentado por muitos como uma espécie de anti-Eike Batista por sua discrição) com os empréstimos generosos dados pelo BNDES com dinheiro dos pobres e maltratados trabalhadores brasileiros.
Aliás, a conversão do BNDES numa agência preferencial para a grande burguesia nacional só fez aumentar durante os governos de Lula e Dilma. E isso porque eles são de um partido que se reclama ser dos "trabalhadores". Imaginem se não fossem.
E respondendo à pergunta de Fernando Dantas de que por que no Brasil Lemann precisa do BNDES, eu diria que a resposta é simples: a boa burguesia brasileira adora mamar nas tetas do Estado!
Por que no Brasil Lemann precisa do BNDES?
Fernando Dantas
A oferta de aquisição, junto com Warren Buffett, da multinacional americana de alimentos Heinz (conhecida pela tradicionalíssima marca de ketchup do mesmo nome) pela 3G Capital coloca em destaque os três bilionários brasileiros – Jorge Paulo Lemann, Marcelo Telles e Carlos Sicupira – que podem ser considerados os maiores símbolos nacionais do capitalismo liberal, desimpedido e agressivo. Desde o início da sua carreira, Lemann, ex-campeão de tênis (e também um dos pioneiros do surf no Brasil, detalhe menos conhecido), tornou-se conhecido, e até cultuado, como um visionário empreendedor, que aplica na prática, e com feroz zelo, as leis de mercado pregadas por Adam Smith e que contribuem mais para geração de riqueza para os indivíduos e para as nações do que qualquer outro sistema econômico.
A história dos bilionários brasileiros da 3G Capital é bem conhecida. Do ultra agressivo e competitivo (inclusive internamente) Banco Garantia, fundado no início da década de 70 e posteriormente vendido ao Credit Suisse, às aquisições espetaculares das Lojas Americanas e da Brahma, à fusão desta com a Antarctica na AmBev, e à posterior formação da Inbev (hoje Anheuser-Busch InBev), maior grupo de bebidas do mundo, com a fusão com a belga Interbrew.
Nos Estados Unidos, o trio esteve à frente da aquisição da Anheuser-Busch, fabricante da conhecidíssima cerveja Budweiser, pela InBev; da aquisição da empresa ferroviária CSX (a maior do Leste dos Estados Unidos); e, agora, a aquisição conjunta, por US$ 28 bilhões, da Heinz. Essas são, claro, apenas algumas das operações mais conhecidas dos três bilionários.
Nem é preciso mencionar a honra no altar do capitalismo que representa a participação numa operação como a da Heinz, de igual para igual (e inclusive com a 3G Capital no papel de operadora) com o mítico Warren Buffett, a maior lenda viva do mundo dos investidores. E não seria exagero dizer, como saiu na imprensa internacional, que Lemann (auxiliado por seus dois sócios de toda uma vida de negócios) é uma espécie de Buffett brasileiro, um investidor de fantástica eficiência e sucesso, que o colocam num patamar à parte dos seus pares. Aliás, Eike Batista, com sua fortuna oscilante e montada em negócios muito mais arriscados, já foi ultrapassado por Lemann (que tem US$ 18,8 bilhões, segundo a Bloomberg) no posto de brasileiro mais rico.
O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas e política industrial, não mede palavras para descrever a nova operação da 3G Capital. “Eles são impressionantes, fascinantes, e mostram exatamente o que a gente espera de um capitalismo ultracompetitivo”, ele diz.
Na sua opinião, as operações internacionais, e especialmente nos Estados Unidos, de Lemann, Telles e Sicupira colocam em evidência virtudes que não são nada típicas dos grupos empresariais brasileiros e latino-americanos. O economista nota que os três investidores atuam de uma forma totalmente desvinculada do modelo de empresa familiar tão comum na região.
“Quando você se associa a um grande investidor lá fora, ele vai querer uma gestão totalmente profissional, formal, certamente não vai querer nada de família envolvido”, comenta Almeida. Ele acha inclusive que este detalhe pode ter ajudado a azedar a relação de Abílio Diniz com o grupo Casino, que comprou o Pão de Açúcar.
Outra característica da 3G, polêmica junto ao público em geral, mas muito popular em Wall Street, é a forma rápida e impiedosa com que cortam custos das empresas adquiridas. Almeida, que já teve contatos com executivos do grupo, lembra-se de relatos de como eles aplicaram na CSX sistemas desenvolvidos na brasileira ALL (da qual também participam) para reduzir drasticamente o número de controladores das composições. “Eles me disseram na
época que a ferrovia era muito mal administrada, e que eles sabiam que poderiam melhorá-la”, recorda-se o economista.
No caso do Burger King, Almeida lembra uma conversa na qual executivos do grupo revelaram que haviam feito uma avaliação do custo de tomar o controle do McDonald’s, que era fabulosamente alto. Foi dessa forma que a 3G pôde notar o quão barato estava o preço de adquirir o Burger King, US$ 3,3 bilhões. Naturalmente, para depois, com seus métodos agressivos de gestão, reformular a tradicional marca americana e expandi-la no mundo emergente.
Ironia
Mas o economista acha irônico que o trio de bilionários brasileiros, que é uma aula viva sobre o funcionamento e as vantagens do capitalismo liberal, aja em solo pátrio exatamente como o grosso dos grandes grupos nacionais, buscando todas as oportunidades de usufruir de financiamentos públicos subsidiados.
“Apesar de eles não precisarem de governo, como mostra esta operação da Heinz, aqui no Brasil eles têm vários empréstimos com o BNDES”, diz Almeida. Segundo o economista, entre os dez maiores emprestadores do BNDES em 2011, na categoria que inclui indústria e varejo, constam três empresas ligadas ao trio de bilionários: a AmBev, as Lojas Americanas e a B2W, resultado da fusão da Americanas.com com o Submarino. O total de créditos do BNDES às três em 2011, de acordo com Almeida, é de pouco mais de R$ 3 bilhões.
Ele observa ainda que a AmBev tem um ativo diretor de Relações Corporativas, Milton Seligman, ex-Ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e que ocupou vários cargos no setor público. O economista deixa claro que não está fazendo nenhuma crítica ao legítimo trabalho de Seligman, mas acrescenta que é típico no Brasil a importância de um diretor que se ocupa basicamente das relações com o governo e com os órgãos públicos.
“Esses são os melhores capitalistas brasileiros, um exemplo, e se dão muito bem lá fora, inclusive conseguem entrar no mercado americano, o mais competitivo do mundo, e comprar empresas e marcas históricas. Por que aqui dentro do Brasil eles precisam do BNDES?”, indaga Almeida.
Ele ressalva que não se trata de uma crítica particularista, aos três sócios da 3G. Afinal, como raciocina o economista, se há o dinheiro barato do governo, disponível, seria “burrice” por parte de três águias como Lemann, Telles e Sicupira se não o pegassem. E ele nota que a prática, obviamente, não se limita aos três. Outro sensacional homem de negócios e financista brasileiro, o jovem André Esteves, do BTG Pactual, também se aliou ao governo, entrando junto com a Caixa Econômica no banco PanAmericano. A própria Vale privatizada, uma potência internacional, também é grande usuária dos recursos do BNDES.
Essa absorção de financiamento público por parte de alguns dos mais audazes e competitivos capitalistas do mundo ocorre, continua Almeida, num momento de extraordinária expansão do BNDES. Os empréstimos do Tesouro para os bancos públicos saíram de R$ 14 bilhões, ou 0,5% do PIB, no final de 2007, para R$ 406 bilhões, ou 9,22% do PIB, ao fim de 2012. Ele nota que o salto de 8,7 pontos porcentuais do PIB é maior do que os dois grandes programas americanos de saneamento financeiro e reativação da economia (respectivamente, de George W. Bush e de Barack Obama), lançados para tirar o país do abismo da crise financeira global.
Juntos, eles somam 8,4% do PIB norte-americano.
“Foi uma expansão brutal do BNDES, e, quando a gente vê esses financiamentos a capitalistas que absolutamente não precisam deste dinheiro, fica claro que boa parte desta expansão não era necessária”, critica Almeida.
Esta coluna foi publicada hoje na AE-News/Broadcast.