Marcos Pedlowski, texto publicado inicialmente no site Somos Assim
Há algum tempo que venho classificando a flexibilização do processo licenciamento ambiental no estado do Rio de Janeiro como sendo do tipo “Fast Food”. Afinal, a semelhança com a rápida cadeia de montagem de diferentes tipos de ingredientes para formar uma forma de alimentação homogeneizada me parecia total. É que em nome da rapidez do processo, tanto na área ambiental como na culinária, perdeu-se, a meu ver, a preocupação com as questões mais substantivas. É que sem intervenções econômicas sustentáveis ou comida saudável, não há nada que seja realmente benéfico no longo prazo.
Agora mais recentemente tive uma conversa para lá de interessante com uma colega que é professora de Filosofia na Uenf e que acaba de publicar um artigo onde reflete sobre os impactos da ideologia “Fast Food” também na produção acadêmica. Como ela bem abordou em sua reflexão, os pesquisadores e acadêmicos em geral estão cada vez pressionados a embarcar numa produção em massa de publicações de modo a suprir a fome de números que assola as agências de financiamento. Isto implicaria numa superficialidade reflexiva que contribui para um empobrecimento analítico que, em última instância, torna inútil muito do que é oferecido como elaboração intelectual. De quebra, tal como em outras áreas da ideologia Fast Food, os que se negam a adotar os rígidos padrões de hegemonização do pensamento acabam sendo apontados como improdutivos e inúteis. No caso das universidades públicas, esta pressão para a adesão ao modelo Fast Food estaria sendo acompanhado por um aumento de casos de depressão, da elevação do estresse, e o estabelecimento de uma cultura produtivista que não raramente resulta em graves problemas ocupacionais.
Pensando para além das fronteiras do licenciamento, da comida e da produção científica, o que mais me deixa alerta para os efeitos maléficos da hegemonia “Fast Food” é que não parece haver ainda limites para o seu espalhamento para todas as vidas da esfera social. Aliás, se nos ativermos a todas as inúmeras datas que foram criadas para que possamos expressar o nosso afeto para pais, mães, irmãos e irmãs, e pessoas que amamos, não fica difícil notar que tudo está sendo ajustado para o predomínio do “Fast Food”. Assim, uma pessoa mais cáustica poderia até dizer que agora se vive o tempo do “Amor Fast Food”, onde tudo tem de estar pronto para ser consumido rapidamente, sem que se importe com o dia de amanhã.
Para mim, a principal questão é que essa “Fastfoodização” das diferentes esferas de vida implica num prolongamento do domínio das relações de mercado e da submissão de todas as ações humanas às necessidades de geração de lucros das grandes corporações que hoje controlam a maior parte da economia mundial. Se dentro desse contexto houvesse como eleger o que há de pior nessa situação, eu elegeria a naturalização da ausência de utopias que nos permitissem resgatar parte da criatividade e da habilidade de apreciar o lúdico. É que o “Fast Food”, ao implicar na extinção das particularidades, acaba por nos transformar em seres previsíveis, acostumados ao desperdício e desconectados entre nós mesmos e com a base natural que o planeta Terra nos oferece.
De quebra, como o Fastfoodização do mundo atinge até esferas do sagrado com denominações pululando por todos os lados para oferecer uma salvação improvável, também estamos presenciando um aumento da intolerância na área dos costumes. E é justamente na área dos costumes que vemos como o “Fast Food” implica na multiplicação de marcas diferentes que só servem para esconder que, no fundo, todos estão consumindo a mesma coisa. O mais lastimável é que o fomento da intolerância apenas contribui para alguns espertalhões multiplicarem suas fortunas pessoais, enquanto a maioria dos seguidores continua sua triste sina de existirem num mundo em que tudo é muito “fast” e no qual bilhões de pessoas não têm “food” para colocar na mesa todos os dias.
Alguém poderia me perguntar se eu vejo uma saída imediata para derrotarmos a ideologia “Fast Food”. De cara eu diria que a capilarização dos modos e costumes da vida “Fast Food” é tão profunda que não há garantia de que exista uma receita que nos permita rapidamente sair dela. Mas a minha certeza é de que não haverá outra alternativa senão começar a procurar saídas para uma vida que nos retorne a ritmos mais lentos e diversificados de vida. Por um lado, a vida “Fast Food” é fonte interminável de doenças e síndromes que estão levando a Humanidade a uma forma concreta de Apocalipse. Além disso, o “Fast Food” é gerador de tamanha quantidade de lixo, seja material ou intelectual, que perigamos morrer afogados nos restos desta orgia consumista.
Agora, se me perguntarem onde devemos começar a mudar para retomar o controle dos ritmos que nos foram roubados pelo “Fast Food”, eu sugeriria que se começasse pelo esforço de apreciar aqueles que teimam em nos mostrar que apesar de todas as bonitas embalagens, o “Fast Food” não tem nada de substancial a nos oferecer. Pode não ser muito, mas já seria um excelente começo.