Tripudiando sobre a memória de Chico Mendes: O PT e sua agenda pró-destruição ambiental
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 225 da Revista Somos Assim
O fracasso da Conferência do Clima (COP-17) que acaba de ser realizada na África do Sul é um sinal da vitória da racionalidade econômica utilitarista que ignora as mudanças causadas pelo aquecimento da Terra. O máximo que os representantes de 194 países conseguiram foi estabelecer um compromisso pífio que estende o já desgastado Protocolo de Kyoto até 2017. Uma das conseqüências imediatas é que a meta de limitar o aquecimento global a 2o C foi enterrada, condenando vários Estados insulares a um futuro desastroso, visto que com a elevação do nível dos oceanos muitos deles deverão ter seus territórios totalmente cobertos pela água.
Aqui há de se ressaltar o papel auxiliar que foi cumprido pelos representantes do Brasil aos interesses dos grandes poluidores. É que graças ao empenho combinado dos representantes dos governos brasileiro, chinês, indiano e norte-americano, não foi possível estabelecer metas mais audaciosas para a limitação das emissões de gases estufa. À primeira vista, a posição brasileira pode até parecer surpreendente, já que nosso país irá sediar em 2012 a Conferência das Nações Unidos para o Meio Ambiente (que está sendo chamada de Conferência Rio +20 em referência ao evento que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992). Mas se observarmos o lento, mas contínuo afastamento que o PT empreendeu da necessidade de se equilibrar desenvolvimento econômico com sustentabilidade sócio-ambiental, não haverá motivo algum para surpresa.
Esse afastamento da agenda que foi liderada pelo mártir ambiental Chico Mendes começou a ficar claro nas seguidas concessões feitas pelo PT dentro do Ministério do Meio Ambiente, onde Marina Silva foi obrigada a engolir quase que um brejo inteiro de sapos barbudos para facilitar o desenvolvimentismo de Lula. Mas, como Marina Silva não era transigente o suficiente, seu posto foi repassado para o lépido deputado estadual e doublé de secretário de meio ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, que chegou a Brasília com a missão de transformar o Ministério do Meio Ambiente numa sucursal do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E ali instalado, Minc rapidamente estabeleceu a prática do licenciamento ambiental “fast food”, fazendo brotar dezenas de autorizações para a realização de obras com alto impacto ambiental, das quais a Hidrelétrica de Belo Monte é a mais emblemática.
No entanto, quem achava que Carlos Minc era o fundo do poço, teve de descobrir ao longo de 2011 que no caso ambiental, o poço do Brasil é sem fundo. E não há nada mais pedagógico sobre o que estou falando do que a recente aprovação no Senado Federal, sob a batuta do Senador Jorge Vianna do mesmo estado do Acre de Chico Mendes, do novo Código Florestal brasileiro. Para quem não acompanhou as tratativas entre os representantes do governo Dilma e a bancada ruralista, eu aconselharia que urgentemente fizesse uma leitura do que a nova legislação deverá permitir em termos de desmatamento em áreas ecologicamente sensíveis ao longo do território brasileiro. As estimativas feitas pela comunidade científica são de que pelo menos 400 mil km2 de florestas inundáveis deverão desaparecer apenas na Amazônia graças a uma série de brechas que foram inseridas na nova legislação. As manobras feitas pela bancada ruralista, que se estima que seja algo em torno de que dezenas de emendas fantasmas (ou seja, não autorizadas), foram colocadas de forma sub-reptícia na pauta de votação durante a madrugada em que o Senado aprovou por 58 votos a 8 o Projeto de Lei 30/2011 relativo ao novo Código Florestal.
A imagem mais reveladora deste verdadeiro cambalacho legislativo foi a presença da senadora/latifundiária Kátia Abreu (DEM/TO) que aparecia sorridente nas fotos ao lado de outras raposas ligadas ao latifúndio saudando o “consenso” construído pelo PT. Mas pior do que aturar o sorriso de Kátia Abreu foi ter de ouvir o discurso cínico de Jorge Vianna dizendo ser o resultado alcançado uma vitória dos que defendem saídas pactuadas contra os radicais. O que o ex-governador do Acre se esqueceu de mencionar foi que 50 dos senadores que apoiaram a proposta vencedora haviam recebido apoio financeiro de grandes violadores ambientais para suas campanhas eleitorais em 2010. Um detalhe pouco discutido do cenário pró-desmatamento que deverá ser deslanchado pelo novo Código Florestal é a estimativa de que o Brasil deverá aumentar ainda mais o consumo de agrotóxicos, do qual já é o atual campeão mundial. Esse parece ser um caso da velha máxima em que se diz “desgraça pouca é bobagem” funcionando a todo vapor, visto que ao longo das últimas semanas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) liberou seu mais recente relatório sobre a presença de agrotóxicos em produtos importantes da dieta dos brasileiros, onde ficou patente o crescimento do processo de contaminação.
Diante disto tudo não há como esperar que o governo Dilma possa desempenhar um papel de liderança positiva na área ambiental. Afinal, ao se atrelar ao que de mais atrasado havia na política do Brasil para chegar e se manter no poder, o PT deu as costas para o meio ambiente e para a saúde dos brasileiros. E 511 anos de história já mostraram que a conta do latifúndio é sempre salgada.