Falta de informação sobre agrotóxicos desmobiliza sociedade, avaliam pesquisadores e ativistas
Por Maria Mello
Do Sinpaf
A falta de circulação de informações na sociedade sobre impactos e alternativas ao uso de agrotóxicos na agricultura brasileira, aliada à opção política do governo por um modelo agrícola que prioriza a utilização desses insumos, constituem atualmente o principal empecilho para a superação do trágico posto de liderança do país no ranking de consumo desses venenos no planeta.
Os apontamentos foram feitos na roda de conversa “O que plantamos e o que temos na nossa mesa”, realizada nesta quinta-feira (1/12) durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília. Na atividade, também foi lançado o livro "Agrotóxicos, Trabalho e Saúde: vulnerabilidade e resistência no contexto da modernização agrícola no Baixo Jaguaribe-Ceará”, recém-publicado pela editora Expressão Popular.
Gislei Siqueira, do setor de Saúde do MST, saudou a iniciativa e destacou a pertinência da promoção da discussão dos agrotóxicos no espaço da Conferência. "Os trabalhadores da saúde devem se apropriar desse tema, porque agrotóxicos não são problema só dos camponeses, mas da população do campo e da cidade. É questão de sobrevivência”.
Para Patrícia Jaime, da Comissão Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, a alimentação é um direito inseparável do direito à saúde e precisa ser debatido por toda a população. “Precisamos levar o debate dos agrotóxicos para a agenda da promoção da saúde e para a declaração final da Conferência”, adiantou. Ela alertou, ainda, para a atuação irresponsável dos conglomerados de comunicação ao se furtarem da promoção da discussão do tema em seus veículos - principalmente nas TVs, que são concessões públicas.
O cineasta Silvio Tendler, diretor do documentário “O veneno está na mesa”, também demonstrou preocupação com a garantia da circulação de informações e de um debate consistente sobre o tema na sociedade. “Essa diversidade que vemos aqui hoje é maravilhosa, pena que não vemos isso na TV. Minha preocupação maior atual é que possamos construir políticas públicas de comunicação para que informações saiam dos gargalos em que se encontram para atingir toda a população. Não há discussão de verdade sobre o tema na grande imprensa. Mas aqui vejo interatividade entre sociedade civil e governo e podemos começar a discutir concretamente o motivo da não proibição dos agrotóxicos no Brasil”, ponderou.
Na opinião de Fernando Carneiro, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), a saúde é atualmente um dos principais indicadores de desenvolvimento social e humano no planeta. “Essa teoria é aplicável em todo o mundo, se virmos as epidemias atuais como a do superconsumo nos EUA. Esse é o momento de a saúde entrar no debate do PAC, por exemplo. Queremos ser maior consumidor de agrotóxicos ou maior produtor de orgânicos do planeta? A palavra que mais se aproxima da realidade brasileira é escândalo, porque nossas comunidades estão sendo literalmente pulverizadas. Não há fiscalização nem recurso para monitoramento de agrotóxicos na água, não temos informações. É um momento triste e temos de tomar atitude para mudar esse quadro, pensando na vigilância da saúde do desenvolvimento”, alerta.
Raquel Rigotto, organizadora do livro que reúne textos de 30 autores e autoras e apresenta reflexões sobre a cadeia produtiva que explora natureza e homem sem medir consequências ou se responsabilizar pelos impactos na saúde-ambiente, relatou experiências da pesquisa desenvolvida nos espaços de cultivo das transnacionais no interior cearense. “Encontramos 30% dos trabalhadores intoxicados agudamente no dia do exame. Isso sem falar nas doenças crônicas”, lembrou.
A pesquisadora também destacou o peso da indução do governo à utilização dos agrotóxicos, por meio das políticas do Ministério da Agricultura e do PAC, além de isenção de impostos. “Instrumentos como o nosso livro e o filme do Silvio Tendler servem para que as pessoas possam ajudar a dizer ao governo que esse modelo não gera saúde, não garante soberania alimentar. Se a agricultura tem dez mil anos e os agrotóxicos têm 60, por que se construiu o mito de que sem veneno não se produz?”, questionou.
O presidente do Sindicato Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF) segue a mesma linha crítica. “O uso de agrotóxicos na agricultura é respaldado por políticas públicas elaboradas por gestores que dão sequência a um modelo que não é o que os trabalhadores querem. A utilização de venenos é oriunda da ditadura militar, que criou um modelo de agricultura da morte. Isso é opção política das elites. O argumento de que o alimento precisa de agrotóxico é mito. Dentro da Embrapa, por exemplo, há tecnologia e conhecimento que viabilizam agroecologia e dispensam adubação química, mas o que não existe é prioridade na Embrapa nem no governo de forma a viabilizar esse modelo”, atestou.
Alternativas
A partir do entendimento comum de que para superar esse cenário é preciso avançar no diálogo e na mobilização, os participantes fizeram sugestões de frentes de combate. “É preciso suspender a isenção de impostos para fabricantes de agrotóxicos e revertê-los para o SUS, proibir a pulverização aérea e apoiar políticas de transição agroecológica”, elencou Raquel Rigotto.
O presidente do SINPAF lembrou que o sindicato realizou seu 10º Congresso com diretrizes claras de fortalecimento da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, e defendeu um projeto de lei para por fim ao uso de agrotóxicos em dois anos, além da entrada do Ministério da Saúde no Conselho de Administração da Embrapa, “que é pública e deve ser não só no nome. É importante ter movimentos populares e ministérios que possam ajudar no monitoramento, execução das políticas públicas. Porque pesquisa que não tem lado já mostra o lado que tem: nós temos lado, do desenvolvimento humano, lado da vida”.