segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Um outro olhar sobre as UPPS
O filme 5 X Pacificação procura entender as lógicas por detrás da militarização das favelas cariocas

POR AMILTON PINHEIRO


Em 5x Pacificação, um retrato (por todos os ângulos) após a chegada das UPPs


Durante grande parte de sua adolescência, Wagner Novais (o Wavá) teve que aprender a conviver com as trocas de tiros entre policiais e traficantes na comunidade Cidade de Deus, lugar onde nasceu e cresceu (hoje ele mora em Taquara, Jacarepaguá). “Lembro que, quando voltava da escola era surpreendido por tiros entre policiais e bandidos, entrava no primeiro buraco que encontrava. Ficava ali até que acabasse a chuvarada de balas, que podia durar um bom tempo. Chegava cansado em casa e perdia muito tempo com isso, além do medo de morrer por um daqueles tiros. Conviver com essa triste realidade não foi nada fácil”, revela Wavá, um dos diretores de 5 X Pacificação, documentário em cinco episódios que chega aos cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília no mês de novembro. O filme vem com a chancela do diretor Cacá Diegues e de Renata Almeida Magalhães e da produtora Luz Mágica, além do apoio da Globo Filmes, o que não é nada mal, diga-se de passagem.


Cacá Diegues foi produtor de 5 X Favela – Agora Por Nós Mesmos, filme ficcional em que Wavá dirigiu um dos episódios, Fonte de Renda, com Manaíra Carneiro. “Foi uma experiência muito gratificante e me ajudou muito a me firmar no cinema, saber que era isso que eu queria fazer, mesmo com todas as dificuldades que se tem em produzir cinema no Brasil, ainda mais sendo um morador de morro e pobre”, fala Wavá.


As instalações das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas começaram em 2008, quando foi montada a primeira unidade no morro Dona Marta. Hoje, grande parte das comunidades já contam com as UPPs, mas o problema do tráfico e da violência ainda não foi resolvido totalmente. “Só militarizar essas áreas não resolve o problema, pois todos nós sabemos que é um problema social. As pessoas dessas comunidades não querem somente isso, queremos mais. As UPPs não provocam um movimento social de que tanto necessitamos. Ajudam, em termos, com parte da violência vinda do tráfico, da velha guerrilha urbana”, conta Wavá.

Esse questionamento está presente no filme, que analisa todos os lados dessa equação: Polícia, bandido, moradores e a visão do “asfalto”.

O problema da violência não foi resolvido satisfatoriamente, é o que revela os jornais e a TV que, vez ou outra, trazem um morador reclamando de abusos dos policiais das UPPs. Os moradores não se acostumaram com os toques de recolher, com as revistas vexatórias. Além disso, segundo alguns, há invasões de residências, saques, humilhações, agressões e até tortura. O que todos falam, mesmo indiretamente devido ao medo é que: “Não vamos ter paz enquanto os policiais estiverem presentes nos morros.”

Pode parecer paradoxal esse depoimento coletivo, ainda mais quando revemos as imagens dos noticiários que mostravam traficantes fugindo apressados dos-morros invadidos e a população comemorando a ação dos policiais.


O diretor Wagner Novais, responsável pelo episódio Asfalto


“AS PESSOAS NÃO QUEREM CONTROLE, QUEREM PAZ!”

O diretor Wagner Novais, hoje com 28 anos, fez parte da oficina de cinema da Cidade de Deus e foi bolsista na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no centro do Rio de Janeiro. Sabe bem as dificuldades que enfrentou e ainda enfrenta para viver dignamente. Muitas vezes não ia para a escola por falta de dinheiro para pagar a passagem e, quando o curso durava o dia todo, não comparecia porque não tinha nem para comer. Mas Wavá foi aproveitando as poucas oportunidades que iam aparecendo e focava todas as suas energias nelas.

O fato de ter crescido num dos lugares mais violentos do Rio de Janeiro lhe deu uma visão mais aguda sobre a complexidade da questão do tráfico e da violência nas favelas cariocas. “Acho que as UPPs foram necessárias para acabar com o estado de coisas que estávamos passando, dos problemas decorrentes do tráfico e das milícias. Mas todos nós sabemos que esses problemas foram gerados pela ausência do Estado nesses lugares e de uma má distribuição de renda, o que levou muita gente a buscar alternativas de sobrevivência, mesmo sendo essas alternativas ilícitas. Agora muito bem, as UPPs estão lá instaladas e o que virá depois, pois somente isso não é suficiente. Precisamos de outras políticas públicas, como mais empregos, saúde, habitação, transporte e educação. Precisamos de políticas que nos tornem cidadãos, que possamos ter condições de igualdade como qualquer outra pessoa, seja do morro ou do asfalto.” Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em sua última pesquisa sobre emprego, renda, escolaridade e acesso a novas tecnologias, a geração de empregos formais nas favelas e morros pacificadas é maior do que nas áreas metropolitanas. Mas a renda ainda continua inferior se comparada com as regiões metropolitanas, o que não ajuda a diminuir as desigualdades que existem entre asfalto e morro. “As UPPs não garantem desenvolvimento local. As pessoas não querem controle, querem paz”, desabafa Wavá.


Mas melhorias, independentemente das pesquisas oficiais, aconteceram. Haja vista a valorização dos imóveis nas áreas pacificadas. Os preços assustam até mesmo o diretor. “Eu nasci e cresci em Cidade de Deus, tenho minha família e meus melhores amigos morando lá, o que me faz ter uma saudade imensa do local, apesar de visitar sempre. Penso em voltar, mas os aluguéis aumentaram muito nos últimos meses, por isso venho adiando esse retorno”, conta. Em relação à Cidade de Deus, Wavá lembra que, na época em que morava lá, havia apenas um colégio que ensinava o segundo grau e a opção para estudar era somente no período noite.


“Mais uma vez pergunto, depois das UPPs, o poder público vai levar melhores escolas, mais transporte público, mais postos de saúde, mais emprego, mais lazer e cultura? Pois precisamos desenvolver de fato esses lugares, o que só acontece com emprego e melhores condições.”

PARA GERAR DISCUSSÃO

5 X Pacificação tem cinco episódios: Asfalto, de Wagner Novais; Polícia, de Rodrigo Felha; Bandido, de Luciano Vidigal; Morro, de Cadu Barcelos; e Complexo, produzido pelos quatro diretores.

O primeiro episódio traz a opinião dos vizinhos das comunidades pacificadas sobre as UPPS. O segundo investiga a preparação de novos policiais que atuarão nessas áreas. Em Bandido, ex-traficantes contam suas histórias e a tentativa de se reintegrarem à sociedade. O último episódio, Complexo, estava fora do roteiro original, porém, com a ocupação do Complexo do Alemão e da Rocinha em pleno processo de produção do filme, os diretores perceberam a importância desses fatos e decidiram terminar a obra com avaliações próprias.

A obra quer gerar discussões acerca dos alcances das UPPs nos morros e nas favelas, se essa política pública de segurança é suficiente (mesmo já respondendo que não), do que precisa ainda para avançar, da visão da população em relação às UPPs, da maneira como os policiais trabalham nelas, da relação dos policiais com a comunidade, ou seja, o que de fato melhora nesses lugares com a implantação das UPPs. “Precisamos de uma polícia menos corrupta e que não tenha preconceito com os moradores das favelas e dos morros quando vão nos abordar. Queremos conviver sem medo e sem ter receio de ser confundido com um bandido e levar um tiro por isso”, acrescenta Wavá. Outro problema que o filme levanta é a visão da comunidade em relação à questão da legalidade. Os moradores têm outra lógica a esse respeito, segundo o diretor. Ele cita o exemplo dos “gatos” de canais de TV a cabo, que muito tinham e ainda têm. “A polícia não pode chegar lá e prender todo mundo. Tem que dar um tempo para as pessoas irem legalizando esses serviços, sem precisar passar por nenhum constrangimento. Em relação à convivência de um espaço público, quem nasce e vive num morro tem outra lógica, quanto a sua ocupação. Os bailes funks, por exemplo, agora têm hora de começar e acabar, pois as pessoas que organizam esses eventos estão aprendendo a respeitar os outros moradores. Tem muita gente que trabalha e precisa dormir cedo. Nos morros e nas favelas pacificadas os bailes têm hora de acabar e terminar.”