O Brasil é um país racista, ninguém precisa nem tentar convencer do contrário. Eu vejo o racismo todos os dias nas mínimas interações que os brasileiros negros têm de suportar para garantir sua sobrevivência num país que se fundou na exploração de escravos trazidos da África. O simples fato de nunca se ter feito uma verdadeira reforma agrária no Brasil e, de quebra, a Lei de Terras de 1850 ter bloqueado os negros de serem proprietários de que somos um país racista. E olha que nem estou falando do famigerado "elevador de serviço" que existe até hoje no Brasil como uma forma de apartar as pessoas pela cor.
Dito tudo isto, me parece um distracionismo terrível a cruzada politicamente correta que um tal "Instituto de Advocacia Racial e Ambiental – IARA" que ganhou fama repentina com a abertura de processos contra duas obras de Monteiro Lobato sob a alegação de que as mesmas trazem menções de natureza racista, faz contra este autor. Os alvos mais notórias da perseguição do IARA são as obras "A Negrinha" e "Caçadas de Pedrinho".
Como já observou um estudioso de Monteiro Lobato, Tia Nastácia ( a negra que motivou o alarde em relação a uma das obras) é tratada de forma muito amorosa em toda a obra de Lobato. Existem milhares de citações afetivas em relação à personagem, que tem uma função crucial na vida dos demais personagens: eles recorrem a ela em busca de conselho, de carinho. Devemos observar ainda que Lobato usa Tia Nastácia como pretexto para criticar a superstição, a religiosidade e o excesso de crença no sobrenatural. Aliás, o pessoal do IARA não deve ter lido nada de Monteiro Lobato, pois se tivessem lido saberiam que foi Tia Nastácia que deu vida à boneca Emília. Se isso não é colocar a personagem negra num plano mais elevado do que todos os demais, eu não sei o que seria.
O pior desta caçada a Monteiro Lobato é que enquanto isto acontece, o racismo brasileiro continue firme e forte nas ações da polícia em favelas. Por que será que o IARA se concentra tanto em Monteiro Lobato e não fala nada dos milhares de jovens negros que são assassinados todos os anos no Brasil?
Essa importação do politicamente correto norte-americano é acima de tudo anti-pedagógico no que se refere ao combate real que deve ser feito contra o racismo no Brasil. Afinal, quando se concentra a atenção num autor que ninguém prova que foi racista e se deixa o racismo institucionalizado intacto, a única certeza que as coisas vão continuar as mesmas.