terça-feira, 30 de outubro de 2012

Os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso Sul como expressão maior da guerra declarada aos povos indígenas

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado inicialmente no site da Revista Somos Assim


Os efeitos mais visíveis do frenesi causado pela aplicação do paradigma das parcerias público/privadas (PPPs) estão sendo sentidos em grandes cidades brasileiras onde, sob a desculpa da modernização neodesenvolvimentista, centenas de comunidades pobres estão sendo erradicadas a ferro e a fogo (em especial na capital de São Paulo). Para completar, temos ainda as orgias com recursos públicos que estão alimentando empreiteiras e empreendedores imobiliários como parte da preparação de megaempreendimentos, sejam estes esportivos ou da chamada infraestrutura. Neste caso, aqui no Rio de Janeiro temos os escandalosos casos do Complexo Portuário-Industrial do Açu e da reforma do Estádio do Maracanã, onde comunidades inteiras estão sendo esfaceladas para benefício amplo, geral e irrestrito do setor privado.

No entanto, um ataque silencioso e longe da atenção dos setores que se preocupam com esta verdadeira guerra aos pobres está se dando em relação a um segmento historicamente massacrado pelos diferentes ciclos de acumulação do modelo de capitalismo criado no Brasil. Falo aqui das nações indígenas que conseguiram sobreviver ao ciclo de massacres que se iniciou quando Pedro Álvaro Cabral aportou por aqui para reclamar estas terras para o Império Colonial Português. Parafraseando o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, eu diria que nunca antes na história do Brasil viu-se um ataque tão bem organizado contra os povos indígenas que resistiram ao script da extinção.

Mas, antes de adentrar a caudalosa situação legal que está sendo gestada para retirar os povos indígenas das poucas áreas que conseguiram ter garantidas pelo Estado brasileiro, é preciso ressaltar que muito provavelmente o Brasil hospeda uma das maiores diversidades étnicas e linguísticas que existem no planeta. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organização não-governamental ligada ao Conselho Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), existem, no Brasil, pelo menos 230 nações indígenas consideradas como contatadas, e outro número indefinido que ainda se encontra isolado ou resistindo ao contato com o Estado brasileiro e com a chamada civilização branca. De quebra, o Censo do IBGE de 2010 aponta que o número de indígenas chegava a 896.917 indivíduos, sendo que destes 324.834 vivem em cidades, e o restante em áreas rurais, representando aproximadamente 0,47% da população brasileira.

Enquanto estes dados populacionais mostraram uma surpreendente reversão na paulatina extinção dos povos originais brasileiros, os mesmos deixaram obscurecido outro fato importante que é a precária situação fundiária em que muitas comunidades se encontram. O mesmo CIMI relata que das 1.044 áreas identificadas como sendo tradicionalmente ocupadas por nações indígenas, apenas 361 estão devidamente registradas. O restante das áreas está sob diferentes status fundiários, e uma grande parte ocupada por latifundiários que se apossaram destas terras ilegalmente.

Infelizmente para os povos indígenas, a coisa que já vinha ruim antes dos dois mandatos do Presidente Lula piorou ainda mais com o advento das PPPs e da implementação do infame Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); é que em função da adoção da nova ortodoxia neodesenvolvimentista configurada pelas PPPs e pelo PAC, mesmo as áreas indígenas registradas passaram a ter a sua inviolabilidade questionada. E o argumento para isto é o mesmo que se aplica no Rio de Janeiro: as áreas indígenas não podem se tornar obstáculo a um suposto esforço neodesenvolvimentista do Estado brasileiro. 

A coisa anda tão séria que até uma proposta de substitutivo que visa permitir a mineração em terras indígenas anda galopando por diferentes comissões do Congresso Brasileiro. Esta minuta ao Projeto de Lei 1610/1996 visa explicitamente autorizar operações de mineração dentro de áreas indígenas, coisa que atualmente está proibida. Além de uma óbvia “corrida do ouro” que a aprovação deste substitutivo causaria, haveria ainda uma ampliação das invasões e da violência contra os povos indígenas, bem como da mercantilização das terras invadidas. O pior é que neste processo não apenas as organizações sociais que apoiam a causa indígena estão sendo esquecidas, mas, principalmente, os mais diretamente interessados na questão, que são as próprias comunidades que vivem nas áreas que se pretende liberar, pelo menos inicialmente, para a mineração.

O maior exemplo do que acontece com populações indígenas que têm o azar de ficar no meio do caminho deste modelo neodesenvolvimentista são os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Ali, em pleno coração do latifúndio sojeiro e da monocultura do eucalipto, os Guarani-Kaiowá estão sob constante ataque armado de fazendeiros e milícias privadas. Em função disto, apenas em 2012 os Guarani-Kaiowá já sofreram todo tipo de violência, que vai desde o estupro de adolescentes até o assassinato de suas lideranças comunitárias. O caso dos Guarani-Kaiowá é ainda mais gritante, porque várias homologações de novas reservas feitas pelo governo federal foram embargadas pelo Supremo Tribunal Federal que preferiu legislar em favor de fazendeiros que as ocupam ilegalmente.

O trágico disto tudo é que os povos indígenas e a defesa de seus interesses fundamentais não estão recebendo o mesmo tipo de atenção “politicamente correta” que outras causas pós-modernas vêm recebendo. Talvez porque afrontem a nova face pró-mercado do PT. Tudo muito a gosto de quem explora e saqueia as riquezas existentes no Brasil desde 1500.