por Ricardo Noblat
A punição foi aplicada antes do recesso do Congresso, que terá início no próximo dia 18. O placar não surpreendeu ninguém: Demóstenes acabou cassado por 56 votos contra 19 e cinco abstenções. São 81 senadores. Um não votou. Metade mais um deles bastariam para subtrair o mandato de Demóstenes e seus direitos políticos até 2027.
Ao longo dos seus 186 anos de história, o Senado só puniu com a pena máxima dois senadores. Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF), amigo do ex-presidente Fernando Collor, empresário da área da construção civil, perdeu o mandato e os direitos políticos sob a acusação de ter desviado dinheiro público destinado a uma obra da Justiça doTrabalho em São Paulo.
Um senador faltou ao julgamento de Luiz Estevão em junho de 2000. O placar que interrompeu sua curta trajetória política no Distrito Federal foi parecido com o que abateu Demóstenes: 52 votos contra 18 e 10 abstenções. Abster-se é igual a votar a favor da absolvição. Luiz Estevão conseguiu 28 votos para escapar. Demóstenes, 24.
Os senadores mais experientes calculam que exista entre eles um núcleo duro de 20 a 30 colegas refratário a cassar mandatos. Não importa que crimes possam ser imputados aos acusados. Os duros não querem saber de cassações - alguns por piedade, outros por receio de que um dia precisem da piedade alheia.
Um monte de razões explica a cassação de Demóstenes. E a principal não foi sua ligação com Cachoeira, preso desde fevereiro último depois de investigado durante mais de três anos pela Polícia Federal. Quantos senadores não têm um Cachoeira para chamar de seu? Era preciso dar uma satisfação à sociedade.
E essa foi, sim, a principal razão para se cassar o mandato e os direitos políticos de Demóstenes. "Queremos desfilar de cabeça erguida por aí, com o bótom de senador na lapela e sem passar por constrangimentos", explica um senador que pediu para não ser identificado. Como escapar de apertos absolvendo Demóstenes?
Outra razão para cassá-lo: quase todos os senadores se solidarizaram publicamente com Demóstenes quando ele pela primeira vez assomou à tribuna do Senado para jurar que era inocente. Conhecia, sim, Cachoeira - quem não o conhecia em Goiás? Admitia que era seu amigo. Mas dele não recebera favores. Nem a ele prestara favores.
A enxurrada de conversas grampeadas entre Cachoeira e Demóstenes desmentiu o discurso e deixou os senadores com a cara no chão. Muitos votos foram movidos à raiva. Contra Demóstenes pesou ainda o seu passado de político nada solidário com eventuais dificuldades enfrentadas por seus pares.
A imagem de justiceiro incorruptível foi construída por Demóstenes à custa de muita pancada desferida nos que conviviam com ele. O episódio que melhor ilustra seu temperamento inflexível teve como personagem Carlos Wilson Campos, ex-governador de Pernambuco, um político ameno e de muitos amigos.
Carlos Wilson sofria de câncer quando foi chamado a depor no Congresso sobre irregularidades na empresa que presidira por dois anos - a Infraero. Amigos dele pediram a Demóstenes para deixá-lo em paz. "Ele virá depor nem que seja para morrer aqui", respondeu o senador.
De José Sarney, presidente do Senado pela terceira vez, se poderá dizer tudo - menos que seja uma pessoa inclinada a resolver no tapa as diferenças com desafetos. Em dezembro último, Demóstenes provocou-o com expressões ásperas. Nervoso, Sarney abandonou a cadeira de presidente e de dedo em riste caminhou na direção de Demóstenes na lateral direita do plenário.
O esquentado senador Fernando Collor (PTB-AL) meteu-se entre os dois para evitar o pior. A certa altura do bate-boca, Sarney baixou o tom da voz e disse a Demóstenes: "Quem sabe de sua vida é Cachoeira". Até ali, fora Cachoeira, quem sabia da vida de Demóstenes era a Polícia Federal.
Houve senador que considerou arrogante o discurso feito por Demóstenes durante a sessão que lhe custou o mandato. Não foi arrogante. Foi altivo. Demóstenes tinha a certeza de que seria cassado. Era um morto-vivo. Quis deixar a política sem renunciar ao comportamento que sempre foi uma de suas marcas.
Sarney ainda não acabara de anunciar o resultado da votação quando Demóstenes, com passos largos, já abandonava o plenário.
O Senado esfolou Demóstenes para não ser esfolado.