domingo, 22 de julho de 2012

Entre o Leviatã e o Matrix oscila a consciência dentro o Capitalismo

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 254 da Revista Somos Assim




A leitura das obras de Karl Marx já foi contraindicada por várias razões. Para uns, o pensador revolucionário alemão representava, e representa, apenas a fonte de um mal insidioso que ameaça as bases políticas e econômicas de um sistema em que aqueles que rejeitam as suas idéias são os ganhadores. Para outros que são, muitas vezes, apenas os empregados intelectuais da linha de produção ideológica que mantém o sistema capitalista em pé, as idéias de Karl Marx teriam se tornado ultrapassadas após a o fim inglório da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Aliás, quem não lembra quando o cientista social americano Francis Fukuyama, justamente na esteira da destruição da URSS lançou o seu bombástico "O fim da história", onde fazia celebração da aparente inevitabilidade da persistência do sistema capitalista.

No entanto, ainda que ler e entender não sejam a mesma coisa, especialmente quando o assunto é a caudalosa produção de Marx, eu diria que a imensa maioria das pessoas que o rejeitam, o fazem simplesmente por não conhecerem suas idéias. Além disso, ao não ler o que Marx escreveu, perde-se uma bela oportunidade de obter uma melhor compreensão do porque de alguns atos triviais até dentro do recanto das nossas casas. Como orientador acadêmico, vivo esbarrando em pós-graduandos que não conseguem entender porque existem tantos comportamentos díspares acerca de assuntos elementares como, por exemplo, a reação às situações básicas onde o senso comum indica que deveríamos agir coletivamente para procurar soluções e isso não ocorre. Tomemos o caso do lixo urbano e da poluição que este causa quando do seu espalhamento nos corpos aquáticos de onde acabaremos retirando a água que bebemos, no nosso caso o Rio Paraíba do Sul. Neste tipo de situação, fica evidente que lançar lixo, poluentes industriais e fezes no interior do manancial não faz nenhum sentido. Se é assim, por que isto continua acontecendo e sendo naturalizado?

A maioria dos que veem essa contradição acabam escolhendo explicações amparadas em depreciações acerca do caráter humano e apontando para a nossa natureza intrinsecamente malévola, a qual já levou o pensador inglês Thomas Hobbes a publicar em 1651 a obra "Leviatã". Hobbes defendia a necessidade de um Estado despótico para conter aquilo que ele classificava como a tendência dos homens de se auto-devorarem. O interessante aqui é que muitos continuam assimilando essa visão ao defenderem que a solução é termos Estados despóticos e violentos, especialmente se o despotismo e a violência forem dirigidos aos pobres. Uma variação deste tipo de interpretação sobre uma suposta tendência a comportamentos egoístas é dada por outros que insistem em explicações de cunho cognitivo, dando preferência a explicações que se centralizam nos indivíduos, em vez de entender o funcionamento da sociedade como um produto do processo material que ocorre todos os dias, e do qual todos fazem parte.

Confesso que até recentemente não tinha me atinado de que a persistência deste tipo de visão está enraizada no profundo processo de alienação social produzido pelo Capitalismo. E aqui há de se explicar que o sentido empregado para alienação é o de separação ou desconexão, o qual Marx, voltando a ele, entendia ser um dos mecanismos pelo qual o Capitalismo desnaturalizava as relações sociais humanas, transformando-as em mais uma de suas formas de transação material dotadas de valor de troca. Por essas e outras é que tenho indicado com grande frequência a leitura do prefácio da obra "Uma Contribuição para a Crítica da Economia Política" que Karl Marx lançou em 1859. Muitos inclusive podem se perguntar porque indico a leitura apenas do prefácio e não da obra inteira. Por um motivo simples: considero que esse prefácio é tão ou mais brilhante quando o esforço mais analítico sobre o funcionamento do sistema capitalista colocado no conjunto do livro.

E o que há de tão esclarecedor neste prefácio? Para mim, a parte mais esclarecedora é quando Karl Marx afirma que "o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral", e que não é a consciência do homem que determina o seu ser mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência". Em outras palavras, nossa forma de ver o mundo e agir nele (ou seja nossa consciência) não é algo que resulta de vontades individuais e por acaso, mas é condicionada pelo modo de produção que, naquele momento e até hoje, é o Capitalismo. Deste modo, se tomarmos a explicação de Marx como correta, mesmo aquilo que pensamos ser essencial ou fundamental para nossa felicidade é condicionada pela matriz ideológica disseminada pelos donos do capital.

O maior problema para aqueles que não se sentem contemplados plenamente por este estado de "Matrix" em que quase cinco séculos de Capitalismo nos enfiaram é determinar a hora de dizer um basta e começar o processo de "desplugar". Aparentemente, com todos os dramas e bárbaries que a crise do neoliberalismo vem causando, milhões já começaram a tomar as ruas para fazer exatamente isto. Agora, veremos se a história terá mesmo fim.