domingo, 29 de julho de 2012

O fim da dívida pública é só um mito, pois nunca devemos tanto! 


Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 255 da Revista Somos 255



Em artigo de sua coluna publicada em vários jornais brasileiros, a jornalista Miriam Leitão teceu uma série de considerações acerca de um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) acerca da situação da economia brasileira. Miriam Leitão indicou em seu libelo de tintas neoliberais que apesar do Brasil não ser mais tão controlado pelo FMI, os argumentos apresentados por seus analistas ainda deveriam ser levados em conta. Esse tipo de argumento, muito difundido nos anos pós-FHC tem vários méritos, ainda que nem todos sejam evidentes num primeiro olhar. Um deles é revelar que o PT, e principalmente Lula, vem contando com uma enorme boa vontade por parte daqueles que seus dirigentes e simpatizantes na mídia resolveram alcunhar de “Partido da Imprensa Golpista” ou, simplesmente, PIG. Afinal, só com muita boa vontade e competente colaboração de pessoas como Miriam Leitão é que fomos levados a acreditar na mentira de que o Brasil não sofre mais com as imposições do FMI e, pior ainda, com o flagelo representado pela dívida pública, seja ela interna ou externa.

Mas essa boa vontade com os governos do PT tem uma explicação. É que após assumir o governo federal, o partido de Lula, Antonio Palocci e José Dirceu se tornou o principal avalista da manutenção da ordem criada pelos acordos de Bretton Woods, dos quais o FMI é um dos principais produtos. Mas foi graças à caprichosa colaboração do PIG é que Lula foi capaz de convencer a maioria dos brasileiros de que o Brasil agora não obedece e nem precisa mais do FMI, já que a dívida externa teria sido finalmente paga. Para não parecer que este tipo de mito foi comprado apenas por pessoas humildes, posso afiançar que já mantive conversas acaloradas com colegas, todos eles detentores de lustrosos títulos de doutor, que teimavam em afirmar que a dívida externa já era.

Felizmente, existe um grupo de intelectuais e ativistas sociais que têm trabalhado com afinco para tirar essa fumaça ideológica dos nossos olhos. Assim, sob a bandeira da chamada “Auditoria Cidadã da Dívida”, um processo de desconstrução desta farsa está felizmente sendo produzido. Assim é que ao consultar o material que está sendo produzido pela Auditoria Cidadã, qualquer um poderá ver que os valores da dívida pública brasileira são astronômicos, e causa enormes prejuízos ao nosso cotidiano. Para quem nunca parou para pensar nesse assunto, eu diria que os 2 trilhões, 681 bilhões, 915 milhões, 202 mil, 619 reais e 52 centavos da dívida interna quando somados aos 410 bilhões, 853 milhões, 418 mil, 816 dólares e 41 centavos de dólares da dívida externa (até maio apenas) deverão servir para mostrar a gravidade da situação. Mas se isto ainda não for claro o suficiente, talvez a informação de que em 2012 (mais precisamente até 19/07) o pagamento da dívida pública consumiu 564 bilhões de reais, o equivalente a 54% do gasto federal, o seja.

Se estes números que revelam o tamanho do buraco em que o Estado brasileiro está metido por causa da sua submissão ao sistema especulativo global não forem suficientes, talvez um recente pedido de demissão ocorrido dentro do corpo técnico do FMI deixe a situação mais clara: em uma correspondência onde pedia demissão, após duas décadas de trabalho, o economista Peter Doyle literalmente rasgou a fantasia de infalibilidade da qual o FMI se serve para manter a economia global presa numa coleira de austeridade fiscal. Segundo Doyle, boa parte da crise que corrói a economia europeia é culpa do próprio FMI, que demorou a alertar os governos daquela região sobre os problemas que estavam por vir. Mas Doyle foi mais além, afirmando que boa parte do sofrimento que está sendo imposto a espanhóis, gregos e irlandeses decorreu da enorme incompetência do FMI em formular políticas que resolvessem em vez de agravar o problema. Em função disso, Doyle escreveu que saía envergonhado do cargo que ocupou por vinte anos.

O mais curioso, para não dizer trágico, é que recentemente a ministra do Planejamento do governo Dilma, Miriam Belchior, do alto do seu salário de R$43 mil reais mensais, afirmou que era inconcebível dar aumentos aos servidores das instituições federais de ensino, em greve há mais de dois meses, quando toda a Europa está reduzindo salários. Este tipo de pensamento conservador do ponto de vista fiscal é um produto típico das políticas do FMI da qual Peter Doyle se declarou envergonhado. Além disso, se houvesse um mínimo de vontade de evitar os mares bravios que hoje afetam a economia mundial, a receita a ser adotada deveria ser justamente a oposta à que está sendo aplicada pelo FMI em países como Grécia, Espanha e Irlanda.

Agora, uma coisa é clara. Caso o governo Dilma insista em manter o salário do funcionalismo congelado para poder pagar os escorchantes juros que transformam o Brasil num paraíso especulativo, não serão apenas os servidores que sofrerão. Quando muito, o destino salarial dos servidores pode ser visto como um oráculo do que está por vir se o rumo da política econômica não for mudado logo.