domingo, 23 de outubro de 2011

A opção preferencial do governo Dilma pelo latifúndio empurra o Brasil para um beco sem saída

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 218 da Revista Somos Assim 




   Em um seminário recente, o economista Paul Singer, um dos mais renomados intelectuais que aderiram desde o primeiro momento ao projeto de criação do Partido dos Trabalhadores, e que hoje desempenha o obscuro papel de secretário nacional de Economia Solidária, reconheceu de forma quase cândida que a estabilidade dos dois mandatos de Luis Inácio Lula da Silva e o primeiro do governo Dilma foi garantida por uma aliança com o setor financeiro e o latifúndio. Esta admissão que seria impensável em outros tempos, já que o PT chegou ao poder em 2003 prometendo confrontar os bancos e fazer a reforma agrária, chega quase no mesmo momento em que o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) veio a público reconhecer que a presidente Dilma já vetou 90 projetos de desapropriação para fins de reforma agrária, e que provavelmente chegará ao final de seu primeiro de governo sem ter assinado desapropriação de uma área sequer.

    Mas não desapropriar tem sido um dos menores pecados cometidos pelos governos do PT no que tange a uma mudança no padrão de concentração da terra no Brasil, que só seria possível com a realização de um amplo processo de reforma agrária. Os poucos dados que transparecem em relação aos investimentos feitos pelo BNDES na agricultura mostram uma opção preferencial pelas corporações que atuam no campo, com vultosos recursos sendo entregues para a produção de commodities voltadas para a exportação. Um exemplo disto foi a recente liberação de R$ 2 bilhões apenas para a melhoria das estruturas de estocagem de álcool. A entrega de recursos financeiros é apenas mais uma faceta da aliança do governo Dilma com o latifúndio; para constatar isto, basta olhar a posição da bancada petista durante as discussões da reforma do Código Florestal, onde as alardeadas resistências aos planos do relator Aldo Rebelo (PC do B/ SP) não passaram de uma cortina de fumaça, visto que no final a maioria esmagadora dos petistas votou pela aprovação do relatório.

    A esta tolerância com as mudanças legais, que deverão aumentar o desmatamento em todos os biomas brasileiros, ainda se soma a ação dos parlamentares do PT que militam hoje em prol das corporações que produzem e comercializam agrotóxicos e sementes geneticamente modificadas. Dentre estes parlamentares petistas, o que mais se destaca nesta ação pró-corporações é o deputado Cândido Vacarezza do PT/SP que, inclusive, recebeu apoio financeiro da Monsanto durante as últimas eleições. Em troca deste apoio, Vacarezza tenta a todo custo aprovar uma lei que permitirá a comercialização das famigeradas sementes “Terminator” no território brasileiro.

    Mas, voltando à questão da reforma agrária, um dos argumentos que ora são apresentados pelo governo Dilma é o de que a opção da presidente seria por uma qualificação dos assentamentos, com o objetivo de dotar as áreas já reformadas com a necessária infra-estrutura para que possam se inserir de forma positiva nos circuitos produtivos. Mas nem isto está sendo cumprido, o que ficou bem claro numa reportagem assinada por Roldão Arruda publicada recentemente pelo jornal O Estado de São Paulo, onde ele mostrou que apenas 10% dos 159 milhões orçados para a melhoria da infra-estrutura dos assentamentos foram gastos até setembro. No caso dos recursos destinados a viabilizar a instalação das famílias nos assentamentos, o total gasto foi de apenas 23%, com gastos de pouco mais de R$ 200 milhões. Convenhamos que é muito pouco para um governo que tem sido tão camarada com o setor agro-exportador.

    Por outro lado, a combinação deste tratamento, tão disparatado, que tem sido dado ao latifúndio è a agricultura familiar, está levando a um quadro que combina o agravamento da miséria com o agravamento da concentração da propriedade. Se isto por si só não fosse suficiente, os números relativos ao emprego nas áreas rurais mostram uma diminuição dos postos de trabalho, especialmente naquelas regiões onde as monoculturas estão avançando com maior velocidade, como é o caso da citricultura. Em contrapartida, os casos de libertação de trabalho escravo caminham na direção oposta, e sua ocorrência não é mais percebida apenas porque as operações de repressão não ocorrem na devida intensidade.

     O mais peculiar nesta situação é que a aliança governamental com o latifúndio tem como única justificativa o fato do Brasil depender das exportações geradas pelo setor para equilibrar sua balança comercial. É o caso clássico da ‘desculpa esfarrapada’, já que os contínuos superávits propiciados pela exportação de commodities só são possíveis a partir de altos custos econômicos, sociais e ambientais. Se adicionarmos o fato de que cedo ou tarde teremos uma crise de abastecimento de alimentos em função do modelo sendo apoiado, esta nada santa aliança entre o PT e o latifúndio faz ainda menos sentido. 

     O pior é que se olharmos para o que vem ocorrendo em outras partes do mundo, veremos que a fome avança com grande velocidade sobre áreas onde outrora o problema não ocorria. Do jeito que vai o governo Dilma, cedo ou tarde chegaremos ao mesmo beco sem saída. Afinal de contas, sem reforma agrária não haverá nem produção tampouco qualidade em alimentos que atenda nossas necessidades básicas de alimentação, agora direito constitucional, que infelizmente já nasceu desrespeitado.