domingo, 16 de outubro de 2011

Crise sistêmica do capitalista com direito a turbulências, e prenúncios de mais tempestades

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 217 da Revista Somos Assim



     Recentemente, o controverso economista Nouriel Roubini, também conhecido como Dr. Apocalipse em função do acerto de suas previsões sobre a crise financeira de 2008, fez uma declaração que deixou muito neoliberal de cabelo em pé. Em tempos de dominância das idéias neoliberais, Roubini teve a coragem de reconhecer de que as previsões feitas por Karl Marx no Século XIX acerca da capacidade do Capitalismo em se autodestruir estavam corretas.  O interessante é que pouca atenção é dada aos mecanismos pelos quais Marx chegou a esta conclusão, que nos últimos vinte anos parecia destinada à lata de lixo para onde são levadas as previsões fracassadas.  O fato é que Marx, com a preciosa ajuda de Friedrich Engels, realizou uma cuidadosa leitura dos números do funcionamento da economia capitalista para escrever sua obra máxima “O Capital”. 

    Entretanto, a prática dos teóricos clássicos do marxismo de se valer de dados estatísticos para desenvolver suas idéias não se reduz à dupla Marx e Engels. O líder revolucionário Vladimir Lenin, apesar de ter tido seu treinamento acadêmico no Direito, valeu-se das estatísticas existentes para escrever várias de suas obras centrais, entre elas, o livro “Imperialismo fase superior do Capitalismo”.  Nesta obra, Lenin fez uma cuidadosa análise do processo de criação de conglomerados industriais para demonstrar que o Capitalismo se movia rapidamente da etapa da livre concorrência para uma etapa caracterizada pela existência de oligopólios. Mas o detalhe mais interessante, e talvez genial, na análise desenvolvida por Lenin foi a transformação do papel dos bancos, que saíam da condição de meros figurantes para a de protagonistas do funcionamento da economia capitalista. Para chegar a esta conclusão, Lenin apenas observou o aumento do número de fusões bancárias e o trânsito de recursos financeiros entre Estados nacionais.

     Se fosse possível teletransportar o líder dos bolcheviques até os dias de hoje é possível que ele chegasse à conclusão de que subestimou quão longe acabaria indo o poder dos bancos. A verdade é que não é preciso ser um teórico marxista ou um economista famoso para notar que o Capitalismo está numa fase de crise aguda justamente pela completa hegemonia que as operações financeiras alcançaram. Poucos sabem, e os economistas de cabresto não nos contam, é que a fluidez e a capilaridade que o capital especulativo possui nos dias de hoje seria impensável no Século XIX. Naquele período, a maioria dos governos nacionais proibia o aporte deste tipo de aplicação por vislumbrarem os riscos que isto trazia para o funcionamento da economia real. O atual estado de funcionamento da economia só foi possível após a criação das instituições de Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que trataram de impor o domínio do capital especulativo sobre o movimento real da economia.

     Após décadas de hegemonia das idéias neoliberais, agora parece que chegamos a uma encruzilhada que está mais clara justamente para quem vive no coração do sistema. A quebradeira ocorrida em função da crise hipotecária nos Estados Unidos não apenas não arrefeceu, assim como dá sinais de que está cada vez mais forte. A resposta dos organismos de Bretton Woods, da União Européia e do Banco Central Americano tem sido a de preservar os bancos, nem que para isto milhões de pessoas tenham suas vidas irremediavelmente destruídas.  Este parece ser o caso não apenas da Grécia, mas também o de várias outras economias centrais, onde o desemprego avança sob o impulso de políticas ultraconservadoras na mesma proporção em que medidas são tomadas para injetar dinheiro no sistema bancário em crise.

      Mas o que governos e o sistema financeiro não devem ter antecipado são os movimentos de resistência que estão proliferando na Europa e na América do Norte. Os confrontos que começaram como uma resposta localizada da juventude e dos trabalhadores gregos, que se encontram no olho do furacão, se alastrou depois pela Espanha e chegou à Inglaterra.  Agora os protestos chegaram ao coração financeiro de Nova York, Wall Street, o epicentro da máquina especulativa mundial, e se espalham como um rastilho de pólvora pelas principais cidades norte-americanas como Boston, Chicago, Los Angeles e São Francisco. Eis a mensagem dos que foram para as ruas enfrentar a policia: chega de ceder direitos coletivos em prol da sustentação das corporações.  Assim, parece que reconhecendo a grave ameaça que o movimento auto-intitulado como “Occupy Wall Street” representa para o status quo, a repressão tem sido especialmente intensa, fazendo com que as ruas de Nova York estejam ficando muito parecidas com as da Síria e as do Iêmen, no melhor estilo “pimenta nos olhos dos outros é refresco”.

    Ainda que no Brasil estejamos aparentemente imunes ao drama de europeus e norte-americanos, a verdade é que não temos nenhum motivo para celebrar. A economia brasileira vive neste momento uma profunda dependência do capital especulativo internacional, e a previsão é que até o final de 2010, o governo Dilma pagará estratosféricos R$ 200 bilhões a título de juros da dívida pública. Se este não for um indicativo de que estamos engolfados pelo espectro da crise, eu não sei o que seria.