O Rock in Rio como oráculo dos problemas que ainda virão
Marcos A. Pedlowski Artigo publicado no número 215 da Revista Somos Assim
O fato de que o Rio de Janeiro será palco de dois megaeventos esportivos nos próximos cinco anos tem sido usado como pretexto para uma série de intervenções urbanísticas na cidade maravilhosa. A estratégia utilizada, tanto pelo governo federal como pelo estadual, tem sido a de entregar a realização destas intervenções à iniciativa privada, mormente grandes construtoras cujos laços com financiamento de campanhas são bem conhecidos. Entre os muitos problemas que vêm cercando a estratégia governamental está a entrega de bilhões de reais de origem pública para financiar a iniciativa privada. A desculpa para isto é de que haveria uma maior eficácia colocando o Estado apenas como financiador e fiscal de empreendimentos ao invés de executor, já que a operação seria feita através das leis de mercado.
Essa lógica privatizante de recursos públicos já foi testada na realização dos Jogos Pan Americanos de 2007 que ocorreram aqui mesmo no Rio de Janeiro. Aquela experiência mostrou que os orçamentos iniciais passaram por seguidos aditivos, sem que o produto final fosse minimamente adequado. Mas as lições parecem não ter servido para nada, pois agora o que se vê é uma ampliação da entrega do dinheiro público para um número restrito de empresas. Além disso, como também ocorreu em menor escala nos Jogos Pan Americanos, as intervenções sociais visando a remoção daquelas populações pobres que porventura estejam no caminho dos empreendimentos agora estão se dando em maior escala. E como em todos os outros casos, o Estado age de forma autoritária e rápida, sem que as pessoas afetadas tenham sequer tempo para reagir de forma organizada. Para piorar ainda mais este quadro de apropriação privada do Estado, até os tribunais trabalhistas estão sendo mobilizados para assegurar que os operários das obras em curso não possam exercitar o direito constitucional de greve. E isto quando abundam evidências de que as empreiteiras que estão recebendo bilhões de reais do dinheiro dos contribuintes não estão oferecendo as condições mínimas que a lei requer para o exercício adequado dos trabalhos.
No entanto, esta sanha em mobilizar recursos públicos para financiar empreendimentos privados não tem ficado restrita aos megaeventos esportivos; a recente realização do Rock in Rio deixou claro que esta se tornou uma prática comum. Apesar de o evento ser uma iniciativa das empresas da família Medina, o governo do Rio de Janeiro não só forneceu isenções fiscais, como também construiu uma estação de tratamento de esgotos exclusivamente para atender a festa do rock. Além disso, quando a segurança privada, contratada para garantir a segurança dos participantes, fracassou rotundamente logo no primeiro dia, e houve ocorrência até de assaltos coletivos, a Polícia Militar e a Guarda Municipal da cidade do Rio de Janeiro foram mobilizadas não apenas para garantir a segurança externa, mas também a da área interna. Se considerarmos que a chamada Arena do Rock está concedida para usufruto da família Medina até 2015, tal utilização de forças policiais é totalmente injustificável, visto que se deslocaram servidores públicos para proteger um evento organizado por um ente privado que cobrou valores bem salgados dos que lá foram atrás de distração musical.
Mas o principal elemento demonstrado pela realização do Rock in Rio, e que salta aos olhos de quem quiser enxergar, foi o fato de que a infra-estrutura urbana beirou o colapso. Apesar dos relatos fornecidos pela grande imprensa acerca dos problemas que ocorreram no resto da cidade do Rio de Janeiro terem sido escassos, ficou claro para seus moradores que a cidade enfrentou sérios problemas. Não bastasse o fracasso do sistema de transportes, algumas áreas da zona sul ficaram sem água, numa coincidência tão grande que não pode ter sido por mero acaso. Diante deste primeiro teste no qual tanto a iniciativa privada quanto a área governamental fracassaram, mostrando total incompetência em questões básicas, o problema que se coloca aos contribuintes tem a ver com o questionamento sobre qual ganho real o Brasil terá em sediar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo da FIFA. Até seria possível aceitar a alta relação custo/beneficio que este tipo de evento inevitavelmente acarreta se estruturas secundárias estivessem sendo planejadas para capilarizar e democratizar o acesso à prática esportiva por amplos segmentos da população. Mas este não está sendo o caso, pois o que se viu até agora foi apenas um esforço concentrado em promover a higienização social de espaços urbanos considerados úteis para a construção de estruturas voltadas para prover amenidades e diversão para os ricos.
Mas nem tudo parece estar perdido. Durante o Rock in Rio dois momentos mostraram que podemos manter a esperança. O primeiro ocorreu quando Marcelo Yuka subiu ao palco e estendeu orgulhosamente uma bandeira do MST para que todos ali vissem de que lado está. O segundo ocorreu quando o grupo Capital Inicial cantou a canção “Que País é este?” e a multidão, estimada em 100 mil pessoas, de forma uníssona mandou uma mensagem impublicável a José Sarney. Pode não parecer nada, mas o recado pode bem ser uma luz no fim do túnel.