Judeu sem religião
Yoram Kaniuk publicou mais de 20 livros em sua premiada carreira, mas nunca ocupou tantas manchetes. O motivo foi a ação para apagar o judaísmo de sua carteira de identidade e ser registrado como "sem religião". Ele espera que a inédita vitória judicial seja um passo para acabar com o monopólio religioso em Israel.
A depoimento foi dado a Marcelo Ninio e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 06-10-2011.
Eis o depoimento.
Tomei a decisão por que não queria ser minoria em minha própria família [risos]. Sou casado há 50 anos com uma americana não judia. Minhas filhas nasceram aqui, serviram o Exército, são cidadãs israelenses, mas não são consideradas judias. Ganhei um neto e ele foi considerado "sem religião", por ser filho de não judia. Decidi que quero ser como o meu neto.
Cansei do controle da religião neste país. É um ciclo perigoso: os religiosos se fortalecem politicamente e impõem mais e mais a religião sobre nós. Até o calendário e o horário de verão são impostos pelos religiosos.
Há um controle inaceitável sobre a vida das pessoas. Querem transformar Israel num Estado religioso.
Lutei pela criação deste país. O objetivo não era um Estado judeu. [David] Ben Gurion[fundador de Israel] não sonhou com isso, ele não acreditava em religião. O que ele queria era um lar nacional para o povo judeu.
Decidi que quero ter a nacionalidade judia, não a religião. Mas Israel não reconhece isso.Bibi [premiê de Israel, Binyamin Netanyahu] fala o tempo todo que os palestinos devem reconhecer o caráter nacional judeu de Israel, mas o próprio Estado não reconhece a nacionalidade judia sem a religião.
A decisão judicial é histórica. O juiz abriu uma brecha que, espero, levará à separação entre Estado e religião. Ainda não é uma revolução, mas pode ser o começo.
Esse veredicto pode começar a quebrar o monopólio político dos religiosos. Se houver separação entre Estado e religião, eles não terão mais o mesmo poder político. Hoje, nosso modelo lembra a Idade Média. Quando a religião tem o controle, a vítima é sempre a liberdade.
Minha mulher e minhas filhas nunca sofreram por não serem judias. Vivemos em Tel Aviv, uma cidade muito liberal. Mas é humilhante, porque não são como os outros.
Todas as reações que recebi até agora foram muito boas. Milhares de pessoas esperam por isso há anos, e acho que muitas seguirão o meu exemplo. Ninguém me atacou ainda, mas espero que isso aconteça [risos]. Sou um lutador. Israel tem de decidir: pode ser país democrático ou país judeu religioso. Não pode ser os dois. Religião é dogma, não aceita a democracia.
Se em um ou dois anos não acontecer uma mudança, este país está perdido. Se tornará um Estado religioso e sem mão de obra, sem soldados para defendê-lo nem gente capacitada para desenvolver alta tecnologia.
Sustentamos centenas de milhares de parasitas. Hoje quase 50% dos alunos de classes primárias são ortodoxos, e a maioria não se integrará ao Estado.
Além de tudo, a falta de separação entre Estado e religião permite que o fascismo se espalhe. O incêndio criminoso da mesquita no norte de Israel é só um exemplo.
Há fascistas nos assentamentos que fazem o que querem e o governo não faz nada. Atacam árabes, arrancam suas oliveiras, vandalizam mesquitas e o governo faz vista grossa, pois teme perder seu apoio político.
Chegamos a um beco sem saída. Por isso o veredicto que me foi concedido é tão importante: cria uma brecha histórica para mudarmos isso, para acabarmos com a legitimidade dos fascistas que usam a religião.
Se Israel for mais democrático e menos religioso, o Estado poderá agir contra esses hooligans.