domingo, 26 de junho de 2011

Um acidente aéreo e suas revelações inconvenientes acerca do governo Cabral

 

Marcos Pedlowski, artigo públicado no número 201 da revista Somos Assim



    Determinados incidentes acabam selando futuros políticos, pois revelam aspectos das pessoas envolvidas que normalmente permaneceriam sob o espesso véu do segredo.  Um exemplo foi o acidente de carro que envolveu o já falecido senador democrata Edward (Ted) Kennedy em Julho de 1969 na Ilha de Chappaquiddick. Ali Ted Kennedy teve um comportamento que, se não acabou com sua carreira política como um todo, o tirou da trilha de seus irmãos John e Robert, que aos olhos da maioria eram incapazes de agir de forma covarde frente a fatos para os quais teriam de ter explicações plausíveis. Para quem não se lembra deste evento, Ted Kennedy fugiu do local do acidente onde morreu uma jovem acompanhante, aparecendo só no próximo dia para apresentações versões do acidente que não foram totalmente convincentes, o que fez que seus adversários sempre se lembrassem de Chappaquiddick toda vez que o Partido Democrata pensasse nele com um candidato presidencial. Em suma, um acidente de carro selou o destino político de alguém que tinha tudo para ser o presidente dos EUA.


    Mais de quatro décadas depois, num local distante, eis que outro político é apanhando nas redes do destino devido a um acidente, só que desta vez o veículo foi um helicóptero. Esse político, o governador Sérgio Cabral, teve o infortúnio de ter seu final de semana interrompido pela queda da aeronave que transportava, entre outras pessoas, a namorada de um de seus filhos. Afora o drama pessoal das famílias que tiveram entes queridos mortos na queda da aeronave pilotada pelo proprietário de um resort de luxo na costa sul da Bahia, o que vemos diante de nós explicitado é algo muito maior. Afinal de contas, se não fosse pela queda quem saberia, se não fosse pelo Portal de Notícias Terra, que Sérgio Cabral estava num resort de luxo localizado no sul da Bahia passando um final de semana com sua família e seu primeiro escalão dentro do governo estadual.  


     Para aumentar ainda o desconforto político, as notícias que lentamente foram sendo divulgadas deram conta que na mesma aeronave estava parte da família do empresário Fernando Cavendish cuja empresa, a Construtora Delta, é uma das principais beneficiárias das licitações realizadas pelo atual governo, e que também se encontrava no resort passando o final de semana. Esta revelação, no mínimo, levanta graves questões sobre o grau de imbricação entre interesses públicos e privados na atual administração estadual.  Ainda que não haja nada de ilegal na proximidade pessoal entre governantes e empresários que possuam contratos vigentes, isto não deixa de ser questionável do ponto de vista ético e moral.  Afinal de contas, quem garante que em meio ao luxo de um resort não estariam sendo discutidos privadamente assuntos de interesse público?


      Entretanto, os efeitos colaterais da queda do helicóptero não se resumiram ao governador. Em seu micro-blog no Twitter, o jornalista Jorge Bastos Moreno informou que o vice-governador Luiz Fernando Pezão teve que retornar da Itália, onde se encontrava em início de férias, para auxiliar Sérgio Cabral no momento de dificuldade desencadeado pela queda do helicóptero em Porto Seguro. Apesar de esta informação ter sido dada até de maneira despretensiosa por Bastos Moreno, a revelação que a mesma trazia é muita séria para a governabilidade do Rio de Janeiro.  Afinal, se o governador estava descansando na Bahia e seu vice estava na Itália, quem tomava conta do executivo estadual desde a noite anterior ao acidente? Como se desconhece qualquer nomeação do deputado Paulo Melo (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa, para governar o nosso estado na ausência de Cabral e Pezão, a resposta parece ser ninguém. E se realmente ninguém estava no comando de executivo estadual, isto certamente acarretará em questionamentos sobre a legalidade de atos eventualmente realizados pelo governo durante a ausência de Cabral e Pezão. 


     O pior é que o atual momento desaconselharia qualquer tipo de escorregadela política, dada a crise que assola o governo em função do tratamento truculento que vem sendo aplicado às reivindicações salariais de importantes setores do funcionalismo estadual. Apesar dos defensores de Sérgio Cabral poderem argumentar que uma coisa nada tem a ver com a outra, não deixa de ser constrangedor ter, por um lado, 439 bombeiros presos por reivindicarem melhores salários e, por outro, descobrir que o governador estava descansando num resort de luxo na companhia de um empreiteiro com grande número de contratos públicos sob sua administração.


       Em que pese a possibilidade de que a mídia tradicional venha a jogar um papel de bombeiro no incêndio político criado por essa situação, isto não deverá significar que Sérgio Cabral sairá dela sem ser politicamente chamuscado. Para começo de conversa, este assunto deverá merecer amplo tratamento nas redes sociais.  Mas quem deverá manter o foco sobre este assunto são as representações sindicais de professores e bombeiros, que não perderão esta chance de cobrar mais transparência do atual governo. Dependendo da intensidade da pressão sindical, talvez ainda sejamos beneficiados com mais revelações sobre o tipo de relações perigosas que vieram a público devido à queda de um helicóptero.