Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 251 da Revista Somos Assim
Apesar de desejar ter participado mais dos eventos paralelos da Rio +20 que acabou de ocorrer na cidade do Rio de Janeiro, e que debateram a condição em que se encontra a Humanidade frente aos crescentes desafios sociais e ambientais contemporâneos, minha participação se resumiu a um evento na Academia Brasileira de Ciências. Mas esta única participação serviu para me fazer refletir ainda mais sobre vários aspectos do processo histórico em que estamos submersos neste momento. Esta reflexão foi fortemente influenciada pelo contato que tive com o economista Theotônio dos Santos, umas das mentes mais produtivas que o sistema universitário brasileiro já ofereceu ao mundo.
Como vários outros intelectuais que foram exilados após o Golpe Militar de 1964, Theotônio dos Santos é mais conhecido no exterior do que no Brasil. A razão para isto é que suas idéias sempre incomodaram as elites dominantes. Mas de sua lavra saíram importantes reflexões sobre as raízes do atraso histórico em que o Brasil vive, e que nos impede de ser uma sociedade moderna e democrática. Uma delas é a chamada Teoria da Dependência, cujo mérito principal foi o de oferecer uma explicação qualificada para a existência de países "atrasados" e "avançados", que se separam entre a "periferia" e o "centro" do Capitalismo. Assim, a periferia mundial (países periféricos) se apresenta como espaço onde os fluxos, o desenvolvimento da ciência, da técnica e da informação ocorrem em menor escala, e as interações em relação ao centro estão subordinadas às necessidades e interesses dos países que o conformam. Neste sentido, a dependência expressaria então um processo de subordinação que nos remete à ideia de que o desenvolvimento dos países periféricos está submetido (ou limitado) pelo desenvolvimento de outros países. Esta formulação rejeita a proposição de que o atraso (ou subdesenvolvimento) não seria forjado pela condição agroexportadora ou pela herança pré-capitalista dos países subdesenvolvidos, mas, sim, pelo padrão de desenvolvimento capitalista de um dado país e pela sua forma de inserção no capitalismo mundial.
O interessante é que a Teoria da Dependência continua hoje sendo considerada como eficiente em explicar porque, apesar de toda a flexibilização e fluidez existentes na economia mundial, ainda existem países que parecem ter sido esquecidos pelo processo de desenvolvimento. E foi neste quesito que a presença de Theotônio dos Santos acabou servindo para colocar num patamar mais elevado as discussões realizadas naquele dia por um grupo de elite que monitora o funcionamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento. Segundo o que nos foi dito por Theotônio, nosso grande desafio para alcançar um processo de desenvolvimento que seja realmente sustentável seria primeiro elevar a consciência de que é preciso modificar radicalmente o nosso próprio entendimento do que vem a ser desenvolvimento. Para tanto, Theotônio sugeriu que seria necessário repensar os critérios pelos quais se mede o grau de desenvolvimento entre os diferentes países, pois as atuais formas de mensuração favorecem o matiz econômico, desconsiderando questões fundamentais como o grande desperdício de recursos e a concentração de riquezas nas mãos de uma minoria.
Se olharmos não apenas o resultado pífio da Conferência Rio +20, mais do que previsto, mas também as fórmulas que estão sendo aplicadas pelos países centrais para debelar a crise sistêmica em que o Capitalismo está engolfado neste momento, seremos forçados a reconhecer que a maioria dos governos e das grandes corporações está indo na contramão da transformação sendo proposta por Theotônio dos Santos. Além disso, a indisposição não é apenas para adotarmos novas formas de alcançar um desenvolvimento que seja sustentável; a coisa é muito pior, pois a opção sendo claramente feita é a de continuar apostando na financeirização da economia e nos processos especulativos.
Assim, não há qualquer surpresa no fato de que a maioria dos representantes dos governos presentes no Rio Centro se recusou a assumir compromissos com quaisquer metas destinadas a combater a degradação ambiental que ameaça colocar bilhões de seres humanos à beira de uma verdadeira catástrofe essencialmente humana. Teria sido mais proveitoso, ao invés de reunir os governantes, chamar os proprietários das agências de risco e os grandes banqueiros para decidirem, pois aí estariam presentes aqueles que realmente decidem as coisas na economia mundial. Aliás, em relação às agências de risco, Theotônio dos Santos levantou uma questão muito interessante: como é possível que empresas privadas possam ditar o destino de países inteiros, usando muitas vezes sistemas de avaliação que não utilizam por critérios transparentes? Eu iria até mais longe, e perguntaria como é que também os bancos possuem tanto controle sobre a economia real, visto que estes hoje se alimentam de um processo que ameaça as fundações do processo produtivo?!
É neste contexto de rejeição a uma reordenação efetiva na forma de disseminar formas inclusivas de desenvolvimento que também se explica o golpe institucional que removeu Fernando Lugo da presidência do Paraguai. É que ali mesmo, na vanguarda do atraso social e econômico da América Latina, as elites agrárias paraguaias não toleram sequer vislumbrar uma mudança nas relações internas de dominação que, afinal de contas, as mantém como únicas ganhadoras da condição de dependência.