RIO - Uma infestação de moscas varejeiras causou a suspensão de 16 cirurgias marcadas para sexta-feira no Hospital Universitário Pedro Ernesto, que pertence à Uerj, em Vila Isabel. Por causa da invasão dos insetos, dez salas de cirurgia da unidade precisaram ser interditadas. Entre os pacientes que esperaram pelas operações havia vítimas de tumor cerebral, doenças cardíacas e urológicas. A assessoria de imprensa do Pedro Ernesto informou que a direção da unidade ainda não sabe as causas da invasão das varejeiras. Duas investigações internas foram abertas ontem para tentar identificar a origem do problema.
De acordo com o infectologista Alberto Chebabo, é inadmissível que um centro cirúrgico tenha moscas. Segundo ele, o risco de contaminação do paciente é alto, caso o ambiente não esteja livre de microorganismos, como bactérias e fungos.
- A mosca transmite uma série de bactérias pelas patas. Ela pousa em material orgânico, muitas vezes está com coliformes fecais. Se a mosca pousa num paciente que está sendo operado, pode contaminá-lo e, dependendo do caso, causar uma infecção grave - diz Chebabo.
Segundo ele, o risco de uma complicação não é imediato:
- O paciente vai ter a cirurgia fechada e no pós-operatório pode começar a apresentar sintomas de infecção se a mosca tiver pousado na ferida - diz.Instrumentos podem sofrer contaminação
Além de não ter moscas, os centros cirúrgicos, de acordo com Chebabo, têm uma série de regras de assepsia. A temperatura precisa ser mantida até no máximo 25 graus para, além de não estragar equipamentos, dificultar a presença de microorganismos. O ar-condicionado, com filtros, mantém o ar livre de fungos também.
- Se, num acidente, entrar uma mosca, é preciso matá-la. Mas ter várias moscas é inconcebível, o centro cirúrgico precisa ser fechado.
Presidente da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Regional de Medicina, Marília de Abreu diz que o risco para o paciente não é quando a mosca pousa nele. Segundo ela, o maior problema é a possível contaminação do material cirúrgico:
- Muito dificilmente uma mosca pousaria no paciente durante a operação, o cirurgião não permitiria. Mas, se houver uma quantidade grande de insetos, durante um tempo também grande, eles podem pousar repetidas vezes nos instrumentos cirúrgicos, que ficariam contaminados - afirma.
Segundo funcionários do hospital, as varejeiras começaram a aparecer há menos de um ano, depois do início de obras no quinto andar do prédio, onde fica o centro cirúrgico. Na sexta-feira, as salas de cirurgia amanheceram infestadas de insetos e os médicos decidiram que não tinham condições de trabalhar naquela situação.
- Muitas vezes, quando estamos fazendo uma cirurgia, precisamos apagar as luzes e jogar um pano com éter e algodão nas moscas para afastá-las. Damos o nosso jeito. Cada um faz o que pode - lamentou um médico, que preferiu não se identificar.
Uma outra médica, que também pediu para não ser identificada, contou que, na semana passada, uma equipe precisou paralisar a cirurgia de um paciente com tumor cerebral para poder afastar as moscas:
- A equipe ficou colocando uma compressa com éter na cabeça do paciente.
Ainda conforme os funcionários, o setor ímpar do centro cirúrgico - que tem oito salas - está fechado. Entre os dois setores da unidade, ainda segundo os médicos, há um local onde é feito o descarte de resíduos biológicos, como restos de tecidos humanos e algodão com sangue. Os funcionários desconfiam que as moscas são atraídas para este local, que não está totalmente isolado por causa das obras no andar.
- As obras estão ocorrendo sem qualquer isolamento. Os funcionários do hospital, os pacientes e os operários circulam pelo mesmo ambiente. Com isso, o local de descarte acaba atraindo as moscas, que voam para o outro lado do centro cirúrgico, que está em funcionamento - explicou um médico.
Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, a presença de moscas em unidades hospitalares é um indício de que a limpeza não tem sido feita de maneira adequada.
- A situação é complicada. Quando a mosca pousa numa lixeira ou na ferida de algum paciente, ela pode contribuir para a disseminação do micróbio pelo hospital - alertou Darze.
Unidade continua sem fazer cirurgias
Funcionários do Pedro Ernesto dizem que, há algumas semanas, um foco de moscas foi identificado depois que um dos operários deixou uma quentinha com restos de comida no setor em obras. De acordo com a assessoria de imprensa da unidade, porém, na sexta-feira, pela primeira vez, apareceram moscas no hospital. A direção informou ainda que as cirurgias suspensas não eram consideradas de urgência. Casos graves poderiam ser tratados na maternidade. Segundo a direção, o centro cirúrgico voltará a funcionar assim que o problema for identificado - o que o hospital espera que ocorra neste fim de semana.
Com 44 mil metros quadrados de área construída, o Pedro Ernesto, um hospital de alta complexidade, tem 525 leitos. Em média, faz 25 cirurgias de rotina e outras dez de urgência por dia.
COLABOROU Maria Elisa Alves