segunda-feira, 7 de maio de 2012


Carta Aberta à presidenta Dilma Roussef sobre o Funpresp
 

Maria Lucia Fattorelli

Excelentíssima Presidenta Dilma Rousseff,

A Auditoria Cidadã da Dívida e demais entidades que assinam a presente carta recorremos a Vossa Excelência para solicitar o VETO TOTAL à criação da FUNPRESP (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), previsto no recém-aprovado PL-1992/2007 (número na Câmara dos Deputados, PLC2/2012 no Senado), pelas seguintes razões:

1. A conjuntura mundial de crise financeira é completamente desfavorável à criação de fundos de pensão, tendo em vista que estes estão falindo ou correndo graves riscos de quebra em todo o mundo, especialmente na Europa e Estados Unidos, além de outros Continentes. Até a OCDE já advertiu sobre os graves riscos que os envolvem.

2. Aqui mesmo no Brasil, um dos maiores fundos de pensão - PORTUS – está passando por intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), devido a rombo calculado em R$ 2,7 bilhões. Segundo matéria publicada na grande mídia nacional, “somente a União, como sucessora da extinta Portobrás, deve R$ 1,2 bilhão, referente à retirada de patrocínio.”

3. Historicamente, diversos fundos de pensão – Capemi, por exemplo – desapareceram em nossos país, deixando beneficiários completamente desassistidos. Não há sentido colocar a “previdência” de milhões de servidores a depender de aplicações de “risco”. A previdência serve justamente para conferir-lhes segurança após o cumprimento de tantos anos de trabalho dedicado à Nação.

4. A crise mundial escancarou a existência de trilhões de dólares em derivativos sem lastro que estão inundando instituições financeiras, e sendo repassados temporariamente para os denominados “bad Banks”, para posterior desova em ricos fundos de pensão. Isso representa risco real para todos os fundos de pensão já existentes, indicando ainda que não é razoável criar fundos de pensão nessa conjuntura de insegurança total diante da desregulamentação mundial do mercado financeiro. Essa crise tem mostrado que papéis classificados como de “baixo risco” se mostram como “lixo” do dia para a noite. A Funpresp não oferecerá garantia alguma aos servidores públicos brasileiros, pois é organizada sob a forma de contribuição definida, ou seja, o benefício dependerá do funcionamento exclusivo do mercado, o que constitui temeridade sem limites, considerando a conjuntura atual.

5. O projeto aprovado apresenta diversos vícios de inconstitucionalidade e antijuridicidade (segundo Voto em Separado do Senador Pedro Taques):

a. Utilizou instrumento inadequado (lei ordinária, quando há necessidade de lei complementar específica para regulamentar a previdência complementar pública;

b. Inconstitucionalidade de conceder “natureza privada” ao ente responsável pela previdência complementar pública;

c. Inconstitucionalidade de atribuir à PREVIC a deliberação sobre a extinção da entidade de previdência complementar pública.

6. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou a necessária revisão jurídica, pois além de carecer de elementos essenciais exigidos pelo ordenamento jurídico pátrio para uma proposição desta natureza, passou com graves omissões que o tornam peça obscura e temerária, pois remete para futura regulamentação: o patamar da contribuição que se sabe “DEFINIDA”; forma de cálculo, concessão, pagamento e todas as regras relacionadas aos benefícios; restrições, entre outros – ou seja, foi aprovado um cheque em branco para os bancos, colocando em risco a velhice dos servidores públicos brasileiros.

7. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou o processo democrático, pois não houve o necessário debate, tendo percorrido a galope, especialmente no Senado, passando pela Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Assuntos Econômicos como um relâmpago, ignorando argumentos sólidos apresentados por diversos senadores minoritários, e sendo aprovado por “votação simbólica” em uma mesma tarde.

8. O projeto aprovado na Câmara e Senado não respeitou a necessária RESPONSABILIDADE FISCAL, pois significará aumento de despesas efetivas para a União (fato reconhecido inclusive por autoridades governamentais) sem a sua estimativa e compensação. Nota técnica da Consultoria de
Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados concluiu com argumentos contundentes pela inadequação financeira do projeto, ferindo as normas gerais de finanças públicas, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal. Adicionalmente, o projeto não quantifica gastos imprevisíveis da FUNPRESP, com Taxa de Administração e Contratação de Auditoria Externa, Empresas especializadas em estudos atuariais, Assessoria ou Consultoria Técnica e Financeira, Garantidores das reservas técnicas, custódia de títulos e valores mobiliários, Serviços de análise de concessão de benefícios, folha de pagamentos, avaliação atuarial, cadastro social e financeiro dos segurados e beneficiários, além de outros serviços necessários para gestão do regime ou dos recursos. A que preço? O projeto não impõe sequer limites ou regras para tais gastos.

9. O projeto só interessa aos bancos e ao setor financeiro nacional e internacional – o mesmo setor que tem especulado com os títulos da dívida brasileira (dealers que exigem os maiores juros do mundo. Apesar da Selic de 9,75%, esses dealers admitidos pelo Tesouro Nacional só estão comprando os títulos emitidos a juros superiores a 11%); o mesmo que está trazendo tsunamis de moeda estrangeira para trocar por títulos da dívida nas operações de mercado aberto realizadas pelo Banco Central, entre outras operações desinteressantes para a Nação, mas que lhes garante os maiores
lucros de todos os tempos no País.

10. O projeto padece de motivação e justificativa, tendo em vista que o RPPS tem sido perfeitamente sustentável, apesar da redução do número de contratações e apesar de históricos desvios de recursos dos servidores para diversos fins, quando o número de aposentados do setor público era reduzido e as contribuições se acumulavam. O falacioso déficit decorre principalmente de benefícios pagos a militares que sequer serão atingidos pelo Funpresp.

11. O projeto enfraquecerá o serviço público e dividirá a categoria dos servidores públicos. Não temos dúvida alguma de que representará danos para todos – inclusive para todos os atuais servidores da ativa e os já aposentados.Por essas razões aqui resumidas, e principalmente por ser claramente contrário ao interesse público e por conter vícios de inconstitucionalidade, reiteramos o pedido de VETO TOTAL à criação do FUNPRESP.

Brasília, 31 de março de 2012.

*Maria Lucia Fattorelli é Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida