Marcos A. Pedlowski, artigo inicialmente publicado no site da Revista Somos Assim
Ultrapassada temporariamente com o veto da presidente Dilma Rousseff, a questão dos royalties do petróleo parece ter sido empurrada novamente para debaixo do grosso tapete onde normalmente fica a discussão sobre o uso correto, responsável e transparente destes recursos. A verdade é que até a simulação de manifestação política que foi tardiamente convocada pelo governador Sérgio Cabral parece ser um exemplo típico do desperdício dos recursos dos royalties. Tanto isto é verdade que o governador do Rio de Janeiro reagiu com rispidez a uma simples pergunta feita por um repórter da Folha de São Paulo: quanto havia custado aos cofres públicos a micareta dos royalties?
Entretanto, o governador Sérgio Cabral não é o único que reage com rispidez toda vez que é perguntado sobre o destino que é dado aos bilhões de reais originados pelos royalties que inundam os cofres públicos. Aqui mesmo, em Campos dos Goytacazes, a oposição legítima à tentativa de redistribuição geral dos royalties foi recebida com plena indiferença. Os quase sessenta ônibus que saíram da cidade não representam absolutamente o que a maioria da população pensa sobre a questão dos royalties; bastaria percorrer o centro da cidade para saber que muita gente preferiria que a proposta aprovada pelo congresso fosse sancionada. E esta posição não resulta de uma suposta ignorância do impacto negativo que isto traria aos cofres municipais, mas exatamente pelo contrário. O fato é que, certos ou errados, muitos cidadãos pobres desta cidade simplesmente cansaram de serem miseráveis numa cidade bilionária. Para estas pessoas, a conta simplesmente não bate.
Mas, voltando à micareta do Cabral, não chegou a ser surpreendente o grau de alienação dos que para lá foram conduzidos; para piorar, o evento foi marcado por algo que poucos já notaram, mas que reflete de forma lapidar como os governantes se relacionam entre si e com o povo. Num estratagema claramente destinado a manter a apartação existente com a população, os organizadores do evento criaram um “cercadinho” para abrigar políticos e famosos, enquanto os “manifestantes” eram mantidos à distância por um forte esquema de segurança. Aliás, este mesmo esquema de segurança foi usado para reprimir com violência aqueles que ousaram ir até a manifestação oficial para cobrar transparência no uso dos royalties.
Agora, voltemos ao elemento central do pós-veto da presidente Dilma ao projeto aprovado na Câmara de Deputados. Como até segunda ordem o que está acertado nos contratos já licitados no chamado pós-sal vai continuar valendo, o que deveria estar sendo iniciado é um movimento político que obrigue os governantes a pararem com o show de desperdício a que temos sido submetidos desde 1997 quando foi aprovada chamada Lei do Petróleo. O fato que é solenemente ignorado relaciona-se à natureza finita do petróleo, o que torna a renda obtida com sua exploração igualmente finita. Assim, como a própria presidente Dilma Rousseff salientou em sua comunicação acerca das razões do veto, é imperioso que o uso dos royalties seja criterioso e responsável. Neste sentido, já passou há muito a hora de os governantes pararem de se comportar como novos ricos que gastam como nababos um dinheiro que não lhes pertence, enquanto a imensa maioria do povo continua submetida a condições indignas de existência.
E exemplos deste tipo de ostentação irresponsável podem ser descobertos facilmente seja nos planos municipal ou estadual aqui no Rio de Janeiro. E é preciso que se saliente o fato de que os nossos nababos manifestantes de ocasião não estavam se insurgindo contra a injustiça que seria cometida contra a população fluminense como eles alegavam, mas contra o estilo de governança que o uso perdulário dos recursos dos royalties permite. A verdade é que houvesse um zelo efetivo com a construção de um futuro mais justo com base na riqueza finita dos royalties, nós não estaríamos tendo de conviver com hospitais e escolas em condições tão deploráveis de funcionamento. Certamente não teríamos servidores tendo que trabalhar com os piores salários do Brasil na imensa maioria das categorias em que o funcionalismo público está dividido. De fato, os únicos ganhadores dos royalties até hoje têm sido os ocupantes do poder e um punhado de empresários que se apoderam de fatias significativas do orçamento público turbinado pelos recursos dos royalties.
A chave para sairmos dessa sinuca de bico é só uma: organização política. Gostemos ou não, ainda não foi inventada outra forma para manter os governantes sob pressão. Especialmente numa democracia tão frágil como a brasileira, é fundamental que haja uma organização autônoma em relação ao Estado que seja capaz de inibir os descaminhos. Sem organização política é certo que continuaremos assistindo passivamente ao triste espetáculo de incineração de bilhões de reais vindos dos royalties. O pior é que quanto mais tempo se permanece apático, menos petróleo haverá e menos royalties sobrarão para serem usados. E depois que os sinos dobrarem, não adiantará apenas culpar os nababos, pois todos teremos uma parcela de culpa no cartório.