Marcos A. Pedlowski, artigo inicialmente publicado no site da Revista Somos Assim
A proximidade do final de mais um ano sempre nos oferece a oportunidade de avaliar o que fizemos e presenciamos ao longo de sua duração. No caso de 2012 não se pode dizer que tivemos poucas coisas meritórias de análise, pois este foi um ano para lá de movimentado em todos os sentidos. No caso do Brasil, ao menos no plano político, o que se viu foi a continuidade de um embate (falso, a meu ver) no tocante à contínua influência do ex-presidente Lula sobre o governo de sua sucessora. Lula, reconheçamos, é uma pessoa altamente polarizadora que desperta ódios e paixões quase que na mesma proporção. Eu, que utilizo as chamadas redes sociais, comecei a bloquear as postagens dos oponentes mais virulentos de Lula que nele veem a encarnação mais acabada das nossas piores qualidades. E esse bloqueio não adveio de nenhuma simpatia ou afinidade pelas políticas executadas pelo ex-metalúrgico, mas porque a maioria dos críticos só está armada dos piores preconceitos de classe contra os pobres que ousam abandonar os locais aos quais o status quo dominante no Brasil desenha para que se enclausurem.
Esta grita desesperada dos setores mais reacionários da sociedade brasileira tem uma pitada intensa de paradoxo. Afinal de contas, as mesmas pessoas que impulsionam críticas preconceituosas contra Lula são exatamente aquelas que estão mais se beneficiando da versão lulista do neoliberalismo a que Dilma está dando continuidade. Esse é um aspecto que os comentadores da mídia corporativa preferem alegremente esquecer quando fazem sua crítica de tipo neoudenista. Assim, o falso moralismo com que atacam os rumorosos casos de mau comportamento do petismo fica ainda mais evidente quando outros casos ainda mais graves são relacionados aos partidos da direita oficial, como o PSDB e o DEM. Outro dia tive a infelicidade de ler uma matéria de um economista/colunista que se deu ao trabalho de defender ardorosamente as escandalosas privatizações realizadas pelo PSDB, não sem antes criticar uma pseudopropensão do governo Dilma Rousseff de estatizar a economia brasileira. O fato é que este tipo de discurso não é apenas falso, já que Dilma Rousseff está realizando um dos governos mais privatistas da história recente do Brasil, como quem a critica normalmente responde aos interesses de quem está sendo por ela beneficiado.
Esse tipo de esquizofrenia em que a direita brasileira está imersa fica ainda mais patente quando são divulgados os dados de popularidade da dupla Dilma/Lula. Em publicação recente, o jornal Folha de São Paulo publicou que, se as eleições de 2014 fossem hoje, Dilma seria reeleita facilmente, dados os seus impressionantes índices de popularidade. Para aumentar o desespero direitista, Lula também mantém índices impressionantes de popularidade, de forma que quaisquer candidatos que se assanhem a competir com a dupla estarão destinados a nova derrota. E aqui mora a grande ironia deste estado aparentemente patológico em que a maioria do povo brasileiro parece estar imerso. Afinal de contas os fiadores de Lula e Dilma são os principais perdedores de todas as opções neoliberais que seus governos vêm impiedosamente executando desde 2003.
Muitos se perguntam como a dupla Lula e Dilma está conseguindo essa “mágica” de desagradar aos que mais ganham com suas políticas e de agradar os que mais perdem com elas; a resposta a este aparente paradoxo reside no discurso para inglês ver da oposição de direita. Além disso, há também o fato de o efeito da privatização herdada e ampliada pelo PT continuar sendo creditada aos anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no poder. De quebra, o pouco de distribuição de renda que se deu através dos múltiplos programas sociais executados principalmente por Lula gerou um processo de cidadania por ampliação do consumo que deixou ainda mais evidente o caráter elitista da direita brasileira.
Mas uma boa avaliação do que se passou nunca fica completa se não olharmos o que pode estar vindo pela frente. Um fato inexorável é que a principal aposta econômica feita pelo PT está enfrentando sérias dificuldades por causa da crise aguda e continuada em que se encontra o sistema capitalista. Essa aposta se baseava na sustentação de preços elevados para commodities agrícolas e minerais. Mas a explosão da bolha hipotecária norte-americana em 2008 não apenas diminuiu a demanda, como causou um recuo dos preços nominais. A combinação destes dois fatos torna toda a aposta em construção de hidrelétricas, complexos portuários e ampliação das malhas viárias e portuárias quase como uma morte anunciada. Entretanto, longe de recuar nessa opção de comodificação da economia brasileira, a opção de Dilma Rousseff tem sido aprofundá-la. E nisto não há qualquer sinal de que os partidos ditos de oposição vão insinuar qualquer crítica.
Diante deste quadro é que me atrevo a dizer que 2013 poderá ser ainda mais repleto de esquizofrenias e paradoxos, e o que as Cassandras da direita deverão fazer é verter ainda mais lágrimas de fel. Só resta saber como vai se comportar a maioria pobre da população quando a crise se abater de vez sobre suas cabeças endividadas.