Um tema que anda agitando as universidades brasileiras é a das chamadas cotas sociais ou raciais, dependendo de quem as apresenta. Sem ter medo de controvérsia, tenho a dizer que a defesa irrestrita das cotas é parte de uma miopia generalizada que está sendo embalada no mundo pseudo politicamente correto que cerca a implantação das políticas neoliberais no Brasil.
Adianto que não estou dentro daquele grupo que não crê na existência do racismo no Brasil ou, tampouco, ignora a permanência de preconceitos contra a maioria pobre do povo brasileiro. A minha crítica às cotas parte de um outro ângulo que raramente é abordado. O argumento das cotas está sendo usado como uma espécie de tábua de salvação que deixa intacta a questão do completo sucateamento do ensino público nos níveis anteriores e do domínio do ensino privado em todos os níveis. Para isto as cotas não resolvem nada, pois programas mitigatórios para colocar os pobres e negros (ou melhor dizendo os negros pobres) nas universidades acaba se constituindo em mecanismos de transposição de dinheiro público para as grandes corporações do ensino privado. Enquanto isto a imensa maioria pobre do nosso povo continua sendo impedida de ter condições mínimas de educação e é relegada a permanecer analfabeta e segregada dentro dos grandes bolsões de miséria que circundam as cidades brasileiras.
E a questão do domínio das vagas privadas no ensino brasileiro está refletindo em algo ainda mais nefasto que é diminuição da qualidade do ensino que é oferecido por estas verdadeiras fábricas de diplomas. Essa me parece ser a verdadeira questão que está sendo colocada para debaixo do tapete quando se concentra nas entradas.
Também me causa espécie que não se analise devidamente em quais cursos os cotistas estão conseguindo entrar. Como alguém que trabalha numa universidade pública há 15 anos e que foi umas primeiras aderentes aos sistemas de cotas no Brasil continuo vendo os cursos que são considerados como o filé mignon da instituição sendo disputados com mais chances de conclusão por estudantes que circunavegam o sistema de cotas, e são sim originários do sistema privado de ensino nos níveis anteriores.
Também é preciso dizer que os decantados resultados dos cotistas nunca são colocados em xeque em relação a algo que é essencial: como o Estado está garantindo que os poucos oriundos da maioria negra e pobre que compõe a população brasileira são mantidos dentro das universidades onde conseguem entrar. A verdade é que não existe uma política de assistência estudantil, pelo menos no caso da UENF, que permita aos seus estudantes, cotistas ou não cotistas, se manterem estudando em condições dignas. Em outras palavras, muito se fala sobre a questão da entrada, mas pouco ou quase nada é dito sobre a permanência e a saída com efetiva conclusão do curso. Se mexermos nesse angu é possível que se veja que pouco ou quase nada mudou. E, pior, os poucos cotistas negros que conseguem furar a hegemonia do diploma para brancos e ricos são usados como caso corrente e não como realmente são, exceções vitoriosas mas ainda assim exceções.
Finalmente, é preciso reconhecer que as cotas vieram e estão ai. Deste modo, é preciso assim avançar as discussões sobre a real situação do ensino universitário brasileiro e do modelo privatista dominante. As cotas nesse sentido são apenas uma distração que impede a realização de uma discussão mais aprofundada sobre a universidade e, por extensão, da sociedade brasileira.