sábado, 9 de março de 2013

As empresas X, o mercado de dívida e o valor da ação



Por André Rocha

Os mercados de dívida e de ações são tratados isoladamente. Até os analistas são distintos: endividamento é assunto para o analista de crédito e o preço da ação, seara do analista de “equity”. O profissional de ações está mais preocupado com os aspectos operacionais como crescimento da receita, participação de mercado, evolução da margem, rentabilidade dos projetos. O pouco caso com aspectos relacionados ao endividamento é um erro grave como ficou provado no caso da Sadia e da Aracruz, por exemplo. A parceria entre o banco BTG e a holding EBX só reforça a necessidade de um olhar mais atento dos analistas de ações sobre o endividamento das companhias, pois há uma forte relação entre o preço da ação e a dívida.

Interessante que esta separação entre dívida e "equity" nem didática é. A teoria de finanças mostra que aspectos relacionados ao endividamento afetam o preço da ação. No post “Concessões: a mágica da alavancagem impulsiona rentabilidade”, de 21/02/13, mostrei como o financiamento fornecido pelos bancos públicos pode aumentar a taxa interna de retorno das concessões de rodovias - de 5,5% reais ao ano para 11,9%.

Como o custo da dívida em geral é menor do que o custo do capital próprio, quando a empresa aumenta a parcela de dívida em relação à estrutura de capital ocorre uma redução da taxa de desconto e, com isso, o preço-justo da ação aumenta. Lógico que a companhia não pode elevar indefinidamente o endividamento, pois a partir de um determinado patamar pode não conseguir arcar com seus compromissos financeiros. Cada companhia deve buscar sua composição ótima entre capital próprio e de terceiros de forma a maximizar seu valor.

Para empresas endividadas a análise por múltiplos merece uma atenção especial, pois um decréscimo da dívida tende a gerar uma apreciação do preço da ação na mesma proporção. O risco é alto, mas o potencial de valorização da ação também é elevado caso a administração da companhia consiga ser bem sucedida na reestruturação da dívida. Veja post “O impacto do endividamento sobre o múltiplo FV/Ebitda”, de 02/01/2012.

Contudo os analistas de ações têm sido negligentes na estimativa das despesas financeiras e da necessidade de crédito das companhias. Isto ficou comprovado na derrocada de Aracruz e de Sadia em decorrência do uso de derivativos financeiros. Essas operações constavam no balanço e não foram estudadas com propriedade pelos analistas que cobriam essas empresas. Eles ficaram tão surpresos quanto os investidores leigos, quando as perdas foram anunciadas.

Mas nem sempre o mundo da dívida penaliza o preço das ações como ocorreu com Sadia e Aracruz. As ações de JBS (JBSS3) subiram 10,6% em apenas três dias de setembro após a companhia obter o aval dos detentores de dívida do frigorífico Independência, pavimentando a compra da empresa.

Ontem tivemos mais um exemplo. As empresas de Eike Batista pareciam estar caminhando para uma insuficiência de crédito que poderia comprometer a capacidade de execução dos investimentos. A parceria entre a EBX, holding do grupo, e o banco BTG serviu como catalisador para as ações de OGX (OGXP3). Elas se apreciaram 16,4% em apenas um dia. Essa união está longe de representar a solução definitiva para os projetos do grupo, a incerteza permanece, mas serve para renovar o fôlego e mostrar aos investidores e analistas que vale a pena perder um tempinho analisando as notas explicativas referentes a empréstimos e financiamentos.