sábado, 6 de agosto de 2011

A Copa do Mundo não é e não será nossa. Políticos, construtoras e especuladores imobiliários já tomaram posse

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 207 da Revista Somos Assim



      A realização do que se convencionou chamar de “megaeventos” esportivos já resultou uma grande produção acadêmica, onde os pesquisadores envolvidos procuraram determinar quais seriam os possíveis ganhos sociais econômicos e culturais para as cidades que são escolhidas ara sediar os Jogos Olímpicos ou a Copa do Mundo de Futebol.  Apesar de muitos desacordos entre os que apóiam e os que criticam os vultosos gastos que são feitos nas cidades-sede, em uma coisa todos concordam: o custo econômico requerido vem aumentando de forma exponencial desde a década de 70. Assim, enquanto o custo dos Jogos Olímpicos de Atenas ficou em torno de 24 bilhões de reais, em Londres só a parte financiada pelo setor público já alcançou R$ 33 bilhões. Um dos elementos utilizados para dar uma imagem positiva a tão altos investimentos é a desculpa de que a infra-estrutura esportiva criada para sediar estes eventos serviria às cidades para muito além do período de sua realização. No entanto, estudos feitos em Atenas após a realização dos Jogos Olímpicos de 2004 mostram que o governo da Grécia vem gastando em torno de 100 milhões de dólares anuais apenas para manter a infra-estrutura construída, quantia vultosa para um país em profunda crise econômica. O pior é que passada quase uma década, os gregos ainda não possuem uma estratégia de uso que possa beneficiar o desenvolvimento esportivo do seu país.
Mas o baixo retorno no campo da utilização dos equipamentos construídos é apenas um dos problemas que as cidades normalmente enfrentam. O fato é que as exigências feitas pelas entidades que controlam internacionalmente a realização destes eventos, apesar de causarem altos custos econômicos e sociais, acabam não tendo o devido retorno no momento da realização dos eventos. Em função disto, os governos locais acabam tendo de conviver com verdadeiros elefantes brancos que além de terem uma manutenção cara, não oferecem uma relação custo/benefício que justifique o investimento feito.
    O erro que é normalmente cometido, intencionalmente ou não, por parte dos governantes e empresários que se envolvem na realização destes megaeventos é superestimar os potenciais benefícios, enquanto se minimiza os custos. Se este aparente desencontro já é grave para países com padrões de desenvolvimento alto, não é difícil imaginar os efeitos danosos que podem advir quando um desses megaeventos acontece num país pobre. Se tomarmos a Copa do Mundo realizada na África do Sul em 2010, veremos que o investimento feito não apenas desviou preciosos recursos de áreas altamente necessitadas como saúde (dado que aquele país ostenta um dos maiores índices mundiais de contaminação pelo vírus da AIDS) e educação, mas também não obteve os retornos econômicos antecipados. De quebra, os sul-africanos tiveram de conviver não só com as fortes tensões associadas às remoções forçadas num cinturão de exclusão determinado pela FIFA em torno dos estádios, como também pelas sucessivas greves causadas por falta de pagamento dos salários dos trabalhadores envolvidos na construção dos estádios.
      Por essas e outras é que não me entusiasmei muito quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de Mundo de 2014 e a cidade do Rio de Janeiro para ser a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. É que além de ver figuras do calibre de Ricardo Teixeira, Carlos Nuzman, Sérgio Cabral e Eduardo Paes unidos em êxtase pela escolha não me causar muito conforto dado o currículo duvidoso que eles ostentam, ainda mantinha fresco em minha memória o fiasco que foi a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 já que, de um orçamento inicial de 400 milhões de dólares, acabou custando a bagatela de US$ 3.5 bilhões. E tudo isto para quê? O Estádio João Havelange (conhecido popularmente como Engenhão), a principal estrutura construída naqueles jogos, é hoje uma fonte interminável de problemas para seus administradores, pois se mostrou um verdadeiro vagalume, que vem tornando proibitiva a realização de partidas noturnas.  Um destino ainda mais ingrato enfrentam os moradores do seu entorno, e note-se que não estou falando apenas daqueles que tiveram seus imóveis desapropriados e continuam brigando na justiça por uma reparação justa, que são obrigados a vivenciar o caos toda vez que um jogo importante ocorre.
     Mas se nos concentrarmos no que já ocorre nas obras para a Copa do Mundo de 2014 só em São Paulo e Rio de Janeiro, veremos que aquilo que está ruim sempre pode piorar. Tomando por exemplos as obras da reforma do Estádio do Maracanã e a construção do estádio do Corinthians em Itaquera, veremos que novamente os orçamentos estão se tornando estratosféricos para a alegria das construtoras e de seus amigos alojados nos governos municipais e estaduais, que só nestes dois casos estão manejando orçamentos que somam quase R$ 2 bilhões. Mas ruim mesmo está a situação das populações pobres localizadas nas áreas escolhidas para receber a infraestrutura de apoio. Neste exato momento, em diversas áreas do Rio de Janeiro, remoções forçadas estão deixando centenas de pessoas sem ter onde morar. E olha que isto é só o começo das mudanças planejadas.  Esses megaeventos já se tornaram para muitos cariocas, no mínimo, uma tragédia em evolução.