quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Entre as Torres Gêmeas, o Palácio de La Moneda e o genocídio africano: os diferentes significados do 11 de Setembro

Artigo publicado no dia 11/09/2011 no número 212 da revista SOMOS ASSIM


No dia de hoje é muito provável que sejamos inundados com imagens de uma década atrás, quando os agentes da Al Qaeda realizaram uma combinação espetacular de atentados que deixaram os norte-americanos atônitos. É mais do que certo que sejamos lembrados do heroísmo de bombeiros e policiais que morreram tentando salvar os que estavam aprisionados dentro das Torres Gêmeas de Nova York ou nas dependências do Pentágono na cidade de Washington. É muito provável que também sejamos inundados com histórias pessoais de alguns dos quase 3.000 mortos naquele dia.  Por outro lado, também é muito provável que a maioria dos telejornais e jornais impressos esqueçam de mencionar que o dia 11 de setembro marca, para nós americanos, não apenas uma década dos atentados nos EUA, mas também os 38 anos do golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet contra o governo eleito democraticamente de Salvador Allende; o golpe , realizado sob as bênçãos do governo norte-americano, resultou numa das mais sangrentas ditaduras estabelecidas na América Latina.  E também é quase certo que nada seja dito sobre as mais de 40.000 pessoas assassinadas pela ditadura de Pinochet no sul-americano Chile.

    A verdade é que, ao se concentrar no 11 de Setembro que abalou os EUA, a imprensa brasileira, e certamente a mundial, perderão uma grande oportunidade de examinar as raízes da violência representada na atualidade pelos grupos não-estatais cujo mais falado é a Al Qaeda. Se procedessem de forma diferente e estabelecessem as conexões entre os dois 11 de Setembro, talvez nos oferecessem a oportunidade de realizar um balanço mais informado acerca das conseqüências da política externa dos países ricos no mundo contemporâneo. No entanto, a opção por uma dramatização extrema do que aconteceu em Nova York e Washington não será acidental, mas obedecerá a interesses claros.  Afinal de contas, não há como não associar a violência paraestatal às políticas de Estado responsáveis pela sua existência.

     Neste sentido, uma verdade especialmente incômoda é que se uma discussão mais séria sobre as razões que levaram à ocorrência dos atentados comandados pelo agora defunto Osama Bin Laden fosse feita, esta certamente mostraria conexões que, normalmente, são ocultadas em nome de interesses estratégicos. Um exemplo disto foi a recente descoberta de que tanto a CIA como o MI-6 (o serviço de inteligência inglês) cooperavam com o regime do ditador líbio Muammar Kadafi. De acordo com os documentos encontrados na fortaleza que Kadafi possuía em Trípoli, esta cooperação envolveu inclusive o envio de prisioneiros da denominada “Guerra contra o Terror” para serem interrogados em prisões líbias, onde as práticas de tortura eram mais do que conhecidas.  O curioso é que agora que decidiram se livrar de seu aliado problemático, os norte-americanos e britânicos estão tendo de se explicar sobre os documentos secretos deixados para trás, aparentemente de forma proposital, por Kadafi.

     No entanto, o caso da Líbia não é exceção, mas regra.  Se examinarmos somente o massacre de Ruanda, onde mais de 800 mil pessoas (da minoria étnica tutsi e de elementos moderados da maioria hutu) foram assassinadas entre abril e julho de 1994, veremos que este massacre ocorreu sob os olhares cúmplices dos países ricos.  Mas qual jornal ou canal de TV nos lembrou este ano deste evento vergonhoso para a civilização humana? Salvo algum engano, não houve uma menção sequer.  E olha que estamos falando de um acontecimento cujo único paralelo possível é o holocausto do povo judeu sob o Nazismo.  O pior é que apenas durante a última década, a África foi palco de outros tantos massacres, seja aqueles ocorridos na Somália ou, mais recentemente, no Sudão. E o mais lamentável é que nenhum deles tem sido colocado no mesmo patamar trágico a que assistimos anualmente desde que os aviões comandados pela Al Qaeda acertaram em cheio as Torres Gêmeas.

    O mais problemático deste tratamento desnivelado entre o significado do que ocorreu em 2001 nos EUA e outras tantas tragédias de tamanho imensamente maior, seja em número de vítimas ou nos efeitos duradouros sobre as sociedades em que ocorreram, é que ficamos condenados a assistir passivamente a ocorrência de novos massacres. Afinal de contas, ao assimilarmos apenas a dor dos que detém a hegemonia política e econômica, acabamos por ver as desgraças dos pobres como algo que lhes é inerente sendo, portanto, um fato que pode ser visto como sendo natural.  E aqui não se trata de questionar o direito das vítimas da Al Qaeda de serem lembradas e de terem suas mortes lamentadas. Pelo contrário, pois toda vida humana é preciosa, e toda violência deve ser rejeitada. No entanto, se quisermos viver num mundo minimamente harmônico, temos de começar realmente a considerar que todos têm o direito de viver em paz e com dignidade.  Caso contrário, todo o frenesi midiático em torno dos acontecimentos que hoje completam uma década não passará de um material desprovido de conteúdo e destinado apenas a perpetuar o ciclo de violência em que estamos imersos mundialmente.