domingo, 20 de março de 2011

A carestia dos alimentos e seus perigos para o nosso futuro comum

Marcos A. Pedlowski


    A alta do preço dos alimentos é uma das causas mais esquecidas da revolta que assola os países árabes, e que ameaça se espalhar por outras partes do mundo.  Uma possível razão para este esquecimento pode estar relacionado ao fato de que, cada vez mais, a cadeia produtiva da agricultura está sendo controlada por atores externos ao meio rural.  O fato é que nas últimas décadas a comercialização de alimentos se tornou outra via pelas quais especuladores financeiros vêm aumentando o seu portifólio de produtos com base na penetração dentro dos mercados agricolas. Uma expressão marcante da especulação financeira na área da alimentação são as chamadas bolsas de mercadorias e futuros, onde os alimentos são transformados em meras commodities submetidas aos humores do mercado e dos agentes que nela apostam para alavancar seus ganhos financeiros. Este descolamento entre a produção agrícola e as apostas feitas nos mercados financeiros vem produzindo alguns paradoxos cujo deselace pode ser devastador. Um primeiro aspecto a ser ressaltado é que algumas das principais commodities agricolas vem tendo um aumento na produção total, enquanto o seu preço dispara até chegar ao consumidor final. Esta situação, em tese, representa uma quebra da tese capitalista de que os preços são controlados pelas relações de oferta e procura, já que apesar do aumento da oferta e a manutenção em níveis estáveis da demanda, o que se vê é o aumento da carestia.
    Outro aspecto merecedor de discussão é o fato de que a especulação financeira na produção de alimentos tem como consequência a aposta no modelo tecnicista de produção agricola que se baseia na monocultura plantada em grandes extensões de terra.  Este modelo requer ainda o uso intensivo de agrotóxicos, fertilizantes químicos, sementes geneticamente modificadas, e equipamentos agricolas.  Quando tomados em conjunto, estes componentes refletem uma subordinação total aos interesses de grandes corporações multinacionais como Monsanto, Cargill, Bunge e Syngenta. Estas corporações, por sua vez, acabam aumentando a vinculação do preço dos alimentos às oscilações das bolsas de valores. 
     Mas existe ainda outro desdobramento nefasto da hegemonia do modelo da Revolução Verde, que é a compra de terras por grandes investidores, principalmente nos países pobres localizados na América do Sul, África e Ásia. Esta concentração de terras, além de remover milhares de famlias camponesas da terra empurrando-as para a periferia pobre das cidades, implica no plantio de culturas que não serão consumidas nos países onde os plantios são feitos. Em alguns casos, como o dos plantios florestais e da cana-de-açúcar, a finalidade dos plantios é atender demandas específicas dos países ricos por papel e biocombustíveis. No caso do Brasil, a crescente presença de proprietários estrangeiros já fez acender a luz vermelha dentro do próprio governo federal, sem que isto tenha resultado em medidas práticas para controlar o volume de terras passando para controle estrangeiro. Há que se ressaltar ainda que esta inércia se dá mesmo em face da emissão de um parecer emitido em Agosto de 2010 pela Advocacia-Geral da União (AGU) visando impor limites ao de tamanho das propriedades, e um maior controle na aquisição de terras por estrangeiros no território brasleiro.  O fato é que a balança comercial brasileira continua fortemente dependente das divisas geradas pelo agronegócio, o que acaba desencorajando o governo federal de efetivamente impedir o aumento do controle estrangeiro na agricultura brasileira, o que a estas alturas já é bastante forte e disseminado em toda a cadeia agrícola.
    Para piorar uma situação que já não é boa, as pressões pela aprovação das alterações no Código Florestal Brasileiro são impulsionadas justamente pelos setores que se beneficiam do modelo de agricultura vinculado à economia globalizada.  A verdade é que as modificações ora sendo pretendidas, as quais aumentarão as áreas passíves de desflorestamento, não visam como alega o deputado Aldo Rebelo, proteger os interesses dos pequenos produtores rurais, comunidades indígenas e populações ribeirinhas: é um salvo conduto pretendido pelos grandes desmatadores que só pode ser explicado à luz da profunda dependência que o Brasil hoje possui em relação às exportações agrícolas. A pressa demonstrada pelo governo Dilma em aprovar no Congresso o parecer de Aldo Rebelo apenas realça a opção feita em prol da agronegócio, seja nacional ou multinacional.
      O grande problema da atual dinâmica econômica que subordina a produção agrícola aos interesses dos especuladores financeiros, corporações multinacionais e grandes proprietários de terra é que se tornará inevitável um ciclo de crises sociais em função da incapacidade da maioria das pessoas de comprar alimentos. Se esta perspectiva já seria grave nos países desenvolvidos onde a renda média das pessoas é relativamente alta, o problema se torna catastrófico nos países pobres, onde 70 a 80% da pouca renda existente são usados na compra de alimentos.  A questão que está posta é de como se poderá reverter esta dinâmica, especialmente num momento em que a economia mundial se encontra tão oligopolizada, sujeitando o conjunto da economia às necessidades das grandes corporações.  Das respostas que serão geradas talvez dependa o tão decantado futuro comum que os defensores do desenvolvimento sustentável tanto falam.